Avaliação inicial do paciente
hipertenso
Disciplina de Nefrologia — Escola Paulista de Medicina — UNIFESP
Hospital do Rim e Hipertensão
End. correspondência: Rua Borges Lagoa, 960 — CEP 04038-002 — São
Paulo — SP
INTRODUÇÃO
As diretrizes atuais para o controle da pressão
arterial, provenientes do VI JNC(1) ("Sixth Report of the
Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and
Treatment of High Blood Pressure"), do OMS-ISH(2) ("World
Health Organization — International Society of Hypertension") e das IV
Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial(3),denotam
que a abordagem inicial do paciente hipertenso consiste de três pontos
principais:
1. confirmação do diagnóstico;
2. dados obtidos na anamnese e no exame físico;
3. avaliação laboratorial mínima.
Assim, cada um desses tópicos será abordado em
detalhes, para que possamos comentar os possíveis erros observados, e
quais informações devem ser consideradas.
CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA
Sem dúvida, a confirmação do diagnóstico é a etapa
mais relevante. O diagnóstico da hipertensão arterial é feito quando
detectamos valores pressóricos maiores ou iguais a 140 mmHg para a
sistólica e/ou 90 mmHg para a diastólica. Esses valores não são
arbitrários, mas provenientes de estudos epidemiológicos, como o
estudo MRFIT(4), no qual se observou que quanto mais
elevada a pressão arterial maior o risco de mortalidade
cardiovascular. Para que tal diagnóstico seja feito, devemos ressaltar
que o critério usado ainda é a aferição da pressão arterial em
consultório médico, com o uso de esfigmomanômetro com coluna de
mercúrio. Como existe uma tendência mundial para o abandono da coluna
de mercúrio em função de sua toxicidade, esse esfigmomanômetro tem
sido substituído pelo aparelho aneróide.
Na primeira consulta, a pressão arterial deve ser
medida nas três posições, isto é, com o paciente deitado, sentado e
depois com o paciente em pé. Para tanto, há necessidade de que o
paciente permaneça em repouso por pelo menos cinco minutos nas
posições deitado e sentado, em ambiente tranqüilo e temperatura
agradável, e por pelo menos dois minutos na posição em pé. A medida da
pressão arterial na posição ortostática é muito importante,
especialmente em algumas populações de pacientes, como idosos,
diabéticos, portadores de disautonomia ou mesmo naqueles que já estão
em uso de medicações anti-hipertensivas. Devemos, ainda, ressaltar
que, numa primeira avaliação, é fundamental que se faça a medida da
pressão arterial em ambos os braços, escolhendo para as medidas
subseqüentes aquele em que a pressão arterial for detectada com valor
mais elevado. Ainda, na primeira avaliação, é importante que os
valores de pressão arterial sejam aferidos nos membros inferiores.
Esses procedimentos permitem a detecção de alterações pressóricas
significativas e sugestivas de comprometimento vascular, como, por
exemplo, coarctação da aorta.
As medidas também não devem ser únicas; assim,
devem ser feitas em duplicata ou triplicata a intervalos de um a dois
minutos, e a média obtida deve ser considerada o valor final.
Finalmente, a confirmação, no geral, é feita após duas ou três medidas
consecutivas, a intervalos de uma a duas semanas. Exceção a essa
situação se faz quando o paciente apresentar níveis pressóricos
superiores a 180 mmHg na sistólica ou 110 mmHg na diastólica. Nessa
condição, não há necessidade de se repetir as medidas para confirmação
diagnóstica, visto que esses pacientes já podem cursar com lesões em
órgãos-alvo, havendo, portanto, indicação para o início da terapia
medicamentosa.
Confirmação diagnóstica: medida da pressão
arterial
Embora o procedimento da medida pressórica seja
muito fácil, diversas observações precisam ser feitas, de modo a
permitir que o valor obtido seja o mais correto. Assim, o procedimento
da medida pressórica inicia-se com a medida da circunferência do braço
do paciente. Normalmente, a maioria dos consultórios médicos e
serviços de saúde tem à disposição apenas um tamanho de manguito, com
13 cm de largura e 30 cm de comprimento. Esse manguito ajusta-se para
braços com circunferência de até 30 cm. Portanto, nos pacientes com
circunferência do braço inferior ou superior a esses limites, é
preciso que sejam feitas correções nos valores obtidos. Por exemplo,
em pacientes com circunferência do braço de 36 cm, cujo valor obtido
foi de 162/100 mmHg, haveria necessidade de se diminuir 6 mmHg na
sistólica e 4 mmHg na diastólica. Embora isso pareça ser irrelevante,
como veremos mais adiante, esse paciente teria sua classificação da
hipertensão modificada de moderada (estágio 2) para leve (estágio 1),
e, portanto, a abordagem terapêutica poderia ser diferente. O mesmo
vale para pacientes cuja circunferência do braço é inferior a 28 cm,
quando deverão ser acrescidos alguns milímetros de mercúrio para que
se obtenha o valor mais preciso. A Tabela 1 mostra quais valores devem
ser acrescidos ou subtraídos do valor pressórico obtido com o manguito
padrão (adulto). Os consensos atuais sugerem a mudança da terminologia
leve, moderada e severa por estágios, pois a terminologia anterior
pode sugerir a progressão de uma condição, independentemente da
intervenção.
Outras considerações a serem feitas, ainda, no
tocante à aferição da pressão arterial, referem-se ao posicionamento
do braço do paciente, isto é, o braço deve ser posicionado à altura do
coração, pois vários estudos demonstraram que se o braço do paciente
estiver abaixo da altura do coração, o valor obtido é, em geral,
superestimado; por outro lado, se o braço estiver posicionado acima da
altura do coração, o valor é subestimado.
Uma vez respeitados esses procedimentos para a
aferição dos níveis pressóricos, deve-se ressaltar outro ponto muito
importante. A prática diária nos leva, freqüentemente, à aproximação
dos valores obtidos, ou seja, observamos que os valores, em geral,
terminam com dígito zero. Esse é um erro muito comum e pode levar ao
diagnóstico equivocado de uma hipertensão mais severa e, portanto, a
condutas terapêuticas inadequadas. Da mesma forma que o uso do dígito
zero, o uso do dígito cinco nos parece uma aproximação inadequada. Os
aparelhos de coluna de mercúrio e os aparelhos aneróides são graduados
a cada 2 mmHg; portanto, não é possível, com uma única medida,
detectarmos valores com números terminados em "5", como, por exemplo,
135/85 mmHg. Assim, é fundamental que a coluna do esfigmomanômetro
esteja na altura dos olhos do observador e que os valores obtidos na
fase V dos sons de Korotkoff sejam anotados com precisão. O aparelho
usado para a medida da pressão arterial deve estar devidamente
calibrado e conferido periodicamente. Para as colunas de mercúrio,
indica-se calibração anual; para os aparelhos aneróides, a calibração
está indicada pelo menos a cada seis meses.
Apesar de, nas últimas décadas, termos vivenciado o
crescente uso da monitorização arterial de pressão arterial nas 24
horas (MAPA), e, mais recentemente, a medida residencial de pressão
arterial (MRPA), essas técnicas não nos permitem fazer o diagnóstico
de hipertensão arterial em substituição ao método clássico. Ambas são
técnicas auxiliares, importantes na avaliação dos pacientes,
especialmente naqueles com suspeita de "hipertensão do avental
branco", isto é, pacientes com níveis pressóricos elevados no
consultório mas que mostram valores pressóricos normais em casa.
Entretanto, essas técnicas apresentam algumas limitações relevantes,
como a necessidade de validação dos aparelhos contra um método padrão
(coluna de mercúrio) por meio de protocolos padronizados. De acordo
com alguns autores, deve-se evitar o uso de aparelhos que medem a
pressão no dedo ou no braço abaixo do cotovelo.
A constatação mais importante dessas últimas
diretrizes, talvez, seja o estabelecimento do conceito de que a
hipertensão arterial não é uma doença em que devemos apenas nos
preocupar com números, mas que devemos levar em conta diversos fatores
de risco não-modificáveis e outros modificáveis, que vão interferir na
estratificação de risco do paciente e, conseqüentemente, na decisão
sobre uma intervenção não-farmacológica ou farmacológica.
A Tabela 2 fornece a classificação da pressão
arterial de acordo com as classificações americana e européia e a
Tabela 3, a classificação da pressão arterial conforme as orientações
das IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Como pode ser
observado, a classificação do IV JNC assemelha-se à da IV Diretriz
Brasileira, enquanto a da OMS-ISH insiste em manter subgrupos
limítrofes para a hipertensão leve e para a hipertensão isolada. A
decisão terapêutica para cada paciente deve se basear não apenas nos
níveis pressóricos, mas, também, na presença de lesões em órgãos-alvo
e fatores de risco cardiovascular (Tab. 4). Para a correta
classificação da pressão arterial, devemos considerar sempre o maior
valor, isto é, se um paciente apresenta pressão arterial de 158/100
mmHg, este deve ser classificado como hipertenso estágio 2, pois,
apesar de a pressão sistólica pertencer ao estágio 1 (140-159 mmHg), a
pressão arterial diastólica pertence ao estágio 2 (100-109 mmHg).
DADOS OBTIDOS NA ANAMNESE E NO EXAME FÍSICO
Na anamnese, é fundamental que se pergunte sobre os
antecedentes pessoais do paciente, hábitos como tabagismo, doenças
concomitantes como dislipidemias e diabete. Da mesma forma, a história
familiar de hipertensão arterial é muito importante no cáclulo do
risco cardiovascular do paciente, principalmente quando os pacientes
referem eventos cardiovasculares antes dos 55 anos nos parentes de
primeiro grau, homens, e 65 anos nas mulheres. Outros dados
fundamentais recaem sobre a presença de ronco com apnéia, e uso
crônico de outros medicamentos capazes de elevar a pressão arterial,
como o uso de pílulas anticoncepcionais.
O exame físico deve ser iniciado com a avaliação do
peso e da estatura do paciente, de modo a que seja calculado o índice
de massa corporal; outra medida recomendada é a mensuração da
circunferência da cintura e do quadril. Sempre que possível, devemos
obter o valor de ambas as medidas, cintura e quadril, pois a razão
cintura-quadril tem-se mostrado um importante indicador do fator de
risco cardiovascular. Caso isso não seja possível, a medida da cintura
já é um bom indicador. O exame físico do paciente hipertenso deve ser
minucioso e, sempre que possível, constar de uma fundoscopia. Esse
exame é de fácil execução e permite a avaliação sucinta dos vasos,
podendo-se extrapolar para possíveis lesões em órgão-alvo. A
fundoscopia permite, ainda, a detecção de lesões hipertensivas agudas
(como aquelas presentes na hipertensão maligna) e alterações
hipertensivas mais antigas, que mostram uma doença de evolução mais
longa, além, é claro, de permitir a visualização de alterações
ateroscleróticas.
AVALIAÇÃO LABORATORIAL MÍNIMA
O perfil laboratorial mínimo preconizado pelas
diferentes diretrizes é composto de:
— exame de urina, avaliando a presença de sangue,
proteína e glicose, e exame microscópico do sedimento urinário;
— exame de sangue, que inclui a medida do potássio
sérico, da creatinina, da glicemia de jejum e do colesterol total
(algumas diretrizes, como a Brasileira, preconizam a realização de
hemograma e a medição do colesterol total e suas frações, como será
discutido mais adiante);
— eletrocardiograma.
Em função das dificuldades de se obter alguns
testes mais detalhados em algumas regiões, esse perfil mínimo parece
ser suficiente na avaliação inicial. Fica evidente que alguma
alteração importante em algum desses exames justifica a realização de
outros exames. Assim, pode-se acrescentar a medida das frações
colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol),
colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) e
triglicérides ou a realização de ecocardiograma em pacientes que
tenham achados sugestivos de hipertrofia ventricular esquerda ou outra
doença cardíaca (a presença de massa ventricular aumentada denota
maior risco cardiovascular). Da mesma forma, a realização de
ultra-sonografia está justificada sempre que houver suspeita de doença
arterial de grandes vasos ou artérias renais.
Cabe, aqui, tecermos alguns comentários a respeito
das razões pelas quais a avaliação inicial do indivíduo hipertenso
conta com os testes descritos, e não outros. Devemos lembrar o leitor
que as justificativas pelas quais um teste é ou não incluído na
avaliação inicial nem sempre têm fundamento científico ou encontram
lógica no raciocínio clínico. Dessa maneira, alguns são incluídos em
determinadas diretrizes e não em outras, dependendo da visão geral da
doença de quem as escreve, das possibilidades de cada região em
oferecer o determinado teste à população, como já foi dito antes, e,
até mesmo, de fatores culturais.
Não há dúvida de que a história clínica e o exame
físico devem ser bastante abrangentes, para que se tenha uma idéia
exata das condições clínicas de nosso paciente. Outro item que não nos
permite maiores dúvidas ou reflexões é a medida da pressão arterial,
por meio de técnica recomendada. Aqui, quanto mais rigorosamente for
seguida a técnica por aquele que mede a pressão arterial, mais
confiável será o diagnóstico. Isso se justifica porque o diagnóstico e
a classificação da hipertensão arterial dependem exclusivamente dos
valores tensionais que lemos, que estão rigidamente ligados a valores
de corte estritos e que pequenos desvios para cima ou para baixo nos
levam a decisões terapêuticas diversas. Assim, é de tal importância
esse item que, ao médico, se permite lançar mão de outros métodos
auxiliares ao diagnóstico. Em caso de dúvida, são recomendadas medidas
repetidas da pressão arterial, em diferentes ocasiões, medida
residencial e monitorização da pressão arterial.
Desde o princípio das diretrizes, a análise do
sedimento urinário tem sido unânime, na visão dos especialistas, como
item da avaliação inicial. Segundo nosso parecer, é justo, pois
qualquer indício da presença anormal de eritrócitos, leucócitos ou
proteína na urina do paciente hipertenso pode denotar infecção, doença
parenquimatosa renal, que poderá ser até a causa da hipertensão, ou
ainda complicação da hipertensão. Qualquer que seja a causa da
anormalidade, o paciente merece ser minuciosamente investigado, e
tratado de acordo.
A observação do potássio sérico também reveste-se
de importância na avaliação inicial do indivíduo hipertenso. A
primeira razão é porque o desenvolvimento de níveis baixos de potássio
sérico, espontaneamente ocorrido em indivíduos hipertensos, faz com
que se pense em hiperaldosteronismo primário. A segunda razão é porque
muito freqüentemente os pacientes hipertensos nos chegam em uso de
diuréticos tiazídicos, nem sempre em doses adequadas, o que os tornam
hipocalêmicos. Isso acarreta, muitas vezes, efeitos adversos e gastos
extras desnecessários. Por fim, níveis elevados de potássio sérico nos
levam, obrigatoriamente, a verificar as condições de função renal do
paciente hipertenso. Lembremos que a insuficiência renal crônica,
principalmente em seus estágios mais avançados, leva à hipercalemia.
Não obstante ser praticamente inócuo para o indivíduo com função renal
normal, o uso de drogas hipotensoras, tais como diuréticos poupadores
de potássio, inibidores da enzima conversora da angiotensina e
antagonistas dos receptores AT1, pode elevar a níveis
críticos o potássio sérico de pacientes com prejuízo da função renal.
A solicitação de dosagem de creatinina plasmática
também parece ser fundamental na primeira visita. Embora com certas
restrições, às vistas dos especialistas, os níveis de creatinina
plasmática nos dão uma impressão segura da função renal do paciente
hipertenso. Estando confirmada a presença de insuficiência renal
crônica, definida por depuração de creatinina menor que 60 ml/min/1,73m²
de superfície corporal, por um período superior a três meses(5),
o seguimento será voltado obrigatoriamente à manutenção da função
renal restante. A queda da função renal nos diz, claramente, que há
lesão renal e que esta é progressiva, mesmo que o fator causal inicial
tenha sido revertido. Portanto, todo o esforço deve ser direcionado na
tentativa de se retardar essa progressão(5). A implicação
prática desse enfoque é que, igualmente às lesões cardíacas, às lesões
cerebrais e ao diabete melito, as lesões renais aumentam enormemente o
risco cardiovascular de quem as apresenta, de tal modo que é
imperativo o reconhecimento delas e o conhecimento dos métodos que as
detectam.
Há de se prevenir que, muitas vezes, quedas de
função renal, especialmente súbitas, podem ser reversíveis e devemos
estar atentos a isso. Desde os fatores hemodinâmicos causadores de
isquemia ou hipofluxo renal, a desidratação, infecções do trato
urinário, uso de drogas que afetam a hemodinâmica dos rins, etc.,
todos podem causar queda reversível da função renal.
A glicemia em jejum do paciente hipertenso deve ser
conhecida de pronto. Como dissemos anteriormente, e, agora com mais
clareza, o indivíduo hipertenso e diabético é aquele que maior risco
tem para doenças cardiovasculares. Se lembrarmos, no entanto, que o
diabete leva quase sempre à doença renal e aos fenômenos
aterotrombóticos, o paciente, nessa situação, passa a ter um acúmulo
exponencial de risco cardiovascular. Assim, é inadmissível, ao atual
conhecimento médico, que um paciente hipertenso venha a um serviço de
saúde duas ou três vezes sem que seja conhecida sua glicemia em jejum.
Mais recentemente, sugere-se aos médicos e a todos
os profissionais de saúde que ao presenciarem glicemias de jejum entre
110 mg/dl e 125 mg/dl, isto é, glicemias na faixa de intolerância à
glicose, devem detectar e eliminar os possíveis fatores de risco para
o diabete melito, como obesidade, sedentarismo e uso inadequado de
medicamentos que elevam a glicemia, que, entre os hipotensores,
destacam-se os diuréticos tiazídicos e os betabloqueadores.
O colesterol, bem conhecido de todos, é um fator de
risco importante para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, e
deve, portanto, estar presente na avaliação mínima e inicial do
paciente hipertenso. As últimas diretrizes internacionais de 1999,
elaboradas pela Sociedade Internacional de Hipertensão, em conjunto
com a Organização Mundial da Saúde(3), sugerem apenas o
valor do colesterol total para se analisar inicialmente o perfil
lipídico do indivíduo hipertenso. Entendidas as razões dessas
diretrizes, que têm o propósito de ser aplicadas em todos os países, e
que, por isso, devem considerar possibilidades e recursos das regiões
mais remotas, há quem acredite que não raras vezes, por exemplo, os
hipertensos apresentam valores normais de colesterol total, com níveis
baixos da fração HDL. Ora, sabe-se também que níveis baixos de
HDL-colesterol ou níveis altos de LDL-colesterol, independentemente
dos níveis de colesterol total e das outras frações, representam, por
si só, fator de risco cardiovascular. Assim, ponderam alguns que os
indivíduos nessas situações estariam poupados dos benefícios
terapêuticos, uma vez que jamais se conheceria suas frações do
colesterol, dado que o total permaneceria normal. As últimas
diretrizes brasileiras contemplam quem pense assim, e determinam que
na avaliação inicial do indivíduo hipertenso as frações do colesterol
devam ser conhecidas. Para se conhecer as frações do colesterol é
necessário conhecer-se os níveis de triglicérides, o que demanda mais
recursos. Portanto, o conhecimento das frações do colesterol na
primeira avaliação ficará na dependência financeira de cada um.
O hemograma, na terceira edição das diretrizes
brasileiras, era pedido completo; na última edição, que se limitou ao
hematócrito e à hemoglobina, não nos parece de grande valia para a
avaliação inicial do indivíduo hipertenso. Algumas vezes nos ajuda a
discernir entre insuficiência renal aguda e insuficiência renal
crônica; mas, com tantas outras razões que podem levar um indivíduo à
anemia, ficamos praticamente inertes frente a um hematócrito e/ou
hemoglobina mais baixos. Portanto, nessa época, em que necessitamos de
mais precisão e, por isso, mais exames para outros fatores de risco, o
hemograma, completo ou não, poderia ser dispensável, como o fazem
outras diretrizes(1, 3).
O eletrocardiograma de repouso, embora não sendo
tão preciso para a hipertrofia miocárdica, nos dá um bom panorama de
um coração hipertenso. Juntamente com uma ausculta cardíaca cuidadosa,
o eletrocardiograma nos permite diagnósticos acertados e seguros. Caso
o indivíduo hipertenso tenha hipertrofia de ventrículo esquerdo, risco
cardiovascular bem estabelecido, que o eletrocardiograma não possa
detectá-la, sabemos que o tratamento para a hipertensão, com maior ou
menor intensidade, é capaz de revertê-la. Assim, estaremos, de
qualquer modo, prevenindo ou tratando uma possível hipertrofia
miocárdica e podemos reservar o ecocardiograma para situações mais
indicadas. Além dessa segurança que nos dá o tratamento para a
hipertensão, o eletrocardiograma é barato e disponível em todos os
lugares.
Finalmente, gostaríamos de citar a dosagem de ácido
úrico sanguíneo, que pertencia à avaliação mínima da III Diretrizes
Brasileiras e que foi retirada na IV Diretrizes Brasileiras. Não
obstante ter sido demonstrado que o nível elevado de ácido úrico é
fator de risco cardiovascular para o indivíduo hipertenso de ambos os
sexos(6, 7), não existem estudos, na literatura, de que a
diminuição desse metabólito nos deixaria livre de tal risco. De tal
modo que não temos certeza do benefício terapêutico, caso o indivíduo
seja assintomático. Por falta dessa evidência clínica, a dosagem de
ácido úrico, com toda razão, deixou de ser parte da avaliação mínima e
passou a fazer parte da avaliação suplementar da IV Diretrizes
Brasileiras.
Independentemente das pequenas diferenças entre as
avaliações iniciais e mínimas das diversas diretrizes, acreditamos que
todas contemplam, à primeira visita do indivíduo hipertenso, os
principais fatores de risco e as complicações da hipertensão arterial.
E como dito anteriormente nesta discussão, é sobre esses fatores de
risco e essas complicações que devemos traçar as melhores estratégias,
senão definitivas, pelo menos iniciais, do tratamento
anti-hipertensivo.
REFERÊNCIAS
1. The Sixth Report of the Joint National Committee
on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood
Pressure. Chapter #1 — NIH Publication 98-4080 November 1997.
2. 1999 World Health Organization — International
Society of Hypertension Guidelines for the management of Hypertension.
Blood Pressure 1999;8(suppl 1):9-43.
3. IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão
Arterial. Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de
Cardiologia e Sociedade Brasileira de Nefrologia — Campos do Jordão,
Fevereiro 1-3, 2002. p. 1-40.
4. Multiple Risk Factor Interventional Trial. Arch
Intern Med 1993;153:186-208.
5. Levey AS. Nondiabetic kidney disease. N Engl J
Med 2002;347(19):1505-11.
6. Gueyffier F, Boissel JP, Pocock S, Boutitie F,
Coope J, Cutler J, et al. Identification of risk factors in
hypertensive patients. Contribution of randomized controlled trials
through an individual patient database. Circulation 1999;
100(18):88-94.
7. Fang J, Alderman MH. Serum uric acid and
cardiovascular mortality. The NHANES I epidemiologic follow-up study,
1971-1992. JAMA 2000;283:2404-10