Dissecção aórtica aguda 1. Definição Dissecção aórtica denota uma ou mais lacerações entre as camadas íntima e adventícia que contenha fluxo sangüíneo ativo (falsa luz). Sangue coagulado no interior da camada média é denominado de hematoma intra-mural. A dissecção aórtica deve ainda ser diferenciada da ruptura espontânea da parede aórtica e da laceração da íntima e da camada média sem separação das camadas ou com separação restrita e limitada.
Existem duas classificações para dissecção aórtica atualmente mais utilizadas: Classificação de DeBakey • TIPO I - a dissecção envolve a aorta proximal, o arco
aórtico e a maior parte ou toda a extensão da aorta descendente; Classificação de Stanford • TIPO A - dissecção envolvendo a aorta ascendente;
A incidência real é desconhecida. Acredita-se que a
incidência anual de dissecção aórtica seja de 10 a 20 casos para cada um
milhão de pessoas. É duas a três vezes mais freqüente que a ruptura de
aneurisma de aorta abdominal. A prevalência da dissecção aórtica varia de
0,2% a 0,8%, dependendo da série estudada. Gravidez e síndrome de Marfan são fatores de risco importantes. Hipertensão arterial é encontrada em 80% dos pacientes submetidos à cirurgia devido a dissecção aórtica. Dissecção aórtica anteriormente aos 40 anos geralmente
está relacionada à síndrome de Marfan, coarctação da aorta, anomalias
congênitas da válvula aórtica e gravidez. Em muitos pacientes em que ocorre a dissecção, a parede aórtica mostra apenas alterações compatíveis com a idade. Parece, desta forma, que uma vez ocorrendo a ruptura da íntima, a dissecção é capaz de progredir mesmo em aortas normais. O termo necrose cística da camada média ou degeneração da camada média não é mais considerado a desordem estrutural comum da dissecção aórtica. A desorganização tissular e perda do tecido elástico são típicos de dissecção em pacientes jovens com desordens do tecido conjuntivo, mas raramente se correlacionam com dissecção em pacientes mais velhos. A degeneração da média em grau superior ao esperado para a idade está presente em 20% dos pacientes com dissecção aórtica aguda. Raramente a aortite predispõe à dissecção. Algumas desordens hereditárias predispõem à dissecção. Elas incluem a síndrome de Marfan, Turner, Noonan e Ehlers-Danlos. A síndrome de Marfan tem um importante substrato morfológico que predispõe à dissecção, já que 20 a 40% dos pacientes com esta síndrome desenvolvem dissecção aguda. Síndromes que cursam com válvula aórtica unicúspide ou bicúspide estão associadas com dissecção aórtica. A coarctação da aorta também predispõe à dissecção em pacientes mais idosos provavelmente devido à hipertensão arterial sistêmica. Na ausência de desordens do tecido conjuntivo, a hipertensão arterial sistêmica está presente em até 80% dos pacientes com dissecção aórtica. A incidência de hipertensão é superior a 95% nos pacientes com dissecções da aorta descendente. A gravidez está associada com metade das dissecções observadas em mulheres com menos de 40 anos e, geralmente, ocorre no final do terceiro trimestre ou durante o trabalho de parto. Muitos autores acreditam que a ateroesclerose seja mais coincidência do que causa de dissecção. Provavelmente não constitui uma alteração que a predisponha, apesar de uma ruptura da íntima sobre uma placa ulcerada poder levar à dissecção aórtica. Dissecção pós-traumática extensa é rara e na maior parte dos casos fica limitada ao istmo aórtico. Dissecção iatrogênica ocorre durante procedimentos invasivos para diagnóstico radiológico, procedimentos coronarianos por cateter, implantação de balão de contra-pulsação aórtica, canulação aórtica para circulação extra-corpórea ou mesmo canulação femoral com dissecção retrógrada. Pode haver dissecção ainda durante o pinçamento aórtico total ou parcial no decorrer do ato cirúrgico. A dissecção aórtica está raramente associada com outras condições como hipercortisolismo, feocromocitoma, lupus eritematoso sistêmico, cistinose nefropática crônica e osteogênese imperfeita. Recentemente foi descrita a associação de dissecção aórtica e uso de cocaína.
Dor é o sintoma mais freqüente nos pacientes com dissecção aórtica aguda. É descrita como precordial, torácica, interescapular, cervical, persistente de início súbito e de forte intensidade, com a sensação de morte iminente. Caracteristicamente a dor pode migrar da região torácica para o pescoço e daí para a região interescapular e dorsal, relacionando-se com a propagação do hematoma da aorta proximal para distal na dissecção tipo I de DeBakey. 4.1. Sinais de hipoperfusão de órgãos alvo • Comprometimento da crossa - síncope, acidente vascular
cerebral; 4.2. Morte súbita • Ruptura para o pericárdio, espaço pleural ou peritoneal; 4.3. Choque hemodinâmico • Acúmulo de sangue no tecido periaórtico; Ao exame físico, freqüentemente encontra-se um paciente em choque hemodinâmico, apesar de previamente ser hipertenso. Ocasionalmente os pacientes apresentam-se hipertensos, seja pela hipertensão essencial, seja por oclusão mecânica da artéria renal. A palpação dos pulsos periféricos é de suma importância e pode localizar o sítio de início da dissecção. Turgência jugular patológica e pulso paradoxal sugerem comprometimento pericárdico e tamponamento iminente. O exame do tórax pode evidenciar edema pulmonar, bulhas hipofonéticas e sopro de insuficiência aórtica aguda. O exame pode ainda demonstrar um diferencial de pressão entre os membros superiores ou diminuição do pulso e da pressão arterial nos membros inferiores. Os achados neurológicos (AVC, paralisia isquêmica, paraplegia, síndrome de Horner) estão relacionados ao comprometimento da vascularização carotídea, espinhal, intercostal ou artérias lombares. Raramente ocorre síndrome de veia cava superior, compressão brônquica ou traqueal com atelectasia pulmonar maciça ou hemoptise em decorrência da erosão do aneurisma para a árvore tráqueo-brônquica. Hematêmese também pode resultar da erosão para o esôfago.
5. Diagnóstico diferencial • Infarto agudo do miocárdio;
6. Manejo clínico inicial Os esforços iniciais devem ser dirigidos para o controle da dor, da pressão arterial, redução da dP/dt (conforme descrito no manejo farmacológico) e diagnóstico definitivo. É importante ressaltar que exames invasivos (e semi-invasivos), como a arteriografia e o eco trans-esofágico, são desconfortáveis e aumentam a freqüência cardíaca e a pressão arterial, o que pode levar à ruptura da aorta durante a realização desses exames. Na dissecção aguda, a analgesia é de primordial importância pela grande intensidade da dor que deixa o paciente inquieto e freqüentemente exacerba o estado hipertensivo. Os opióides são as drogas de primeira escolha. O manejo farmacológico deve ser utilizado com o objetivo de evitar a hipertensão arterial e reduzir a força da ejeção ventricular (dP/dt) através da utilização de vasodilatadores e bloqueadores beta-adrenérgicos. O nitroprussiato de sódio é um potente vasodilatador de curta meia-vida e é o antihipertensivo de primeira escolha na dissecção aórtica aguda. A infusão deve ser ajustada com o objetivo de manter a pressão sistólica entre 90-100mmHg. O uso prolongado pode, entretanto, determinar intoxicação por cianeto. Como o nitroprussiato de sódio reduz a pós-carga há,
conseqüentemente, um aumento na dP/dt, o que pode facilitar a propagação da
dissecção. Desta forma, o uso de agentes beta-adrenérgicos encontra-se
justificado devendo ser administrado simultaneamente. Dá-se preferência aos
agentes de curta meia-vida como o esmolol, um agente bloqueador
beta-1-seletivo com uma meia vida ultra curta. Recomenda-se o tratamento sem
a dose em bolus, somente a manutenção. O objetivo do tratamento farmacológico é de impedir a progressão do hematoma intra-mural e de prevenir a ruptura da aorta. O controle da dor é um dos melhores marcadores de que este objetivo está sendo alcançado. A persistência da dor é sinal de falha do tratamento clínico e que a dissecção está progredindo, bem como maior alargamento mediastinal na radiografia de tórax, perda de pulso, insuficiência aórtica, insuficiência renal e insuficiência cardíaca congestiva refratária.
A dissecção aórtica é um evento sério e a história natural dos pacientes com esta patologia é variada devido às diferenças de tipo de comprometimento e da sua extensão. Cinqüenta por cento dos pacientes com dissecção aórtica aguda não tratados falecem em 48 horas, o que resulta num risco de mortalidade de 1% por hora nas primeiras 48 horas para esta patologia. A mortalidade chega próxima a 80% em dois meses e é de mais de 90% após seis meses. Os pacientes com dissecção do tipo B têm melhor sobrevida em 24 horas do que aqueles com dissecção do tipo A. Entretanto, após dois anos, os sobreviventes com dissecção aórtica do tipo B apresentam um aumento significativo e progressivo do risco de mortalidade, o que não ocorre com os pacientes que sobrevivem após uma dissecção proximal.
8.1. Dissecção aguda envolvendo a aorta ascendente (DeBakey tipo I e II) A dissecção aórtica aguda que se origina ou que se estende e compromete a aorta ascendente, com ou sem o envolvimento do arco aórtico, é indicação absoluta de cirurgia de emergência para previnir a ruptura para o pericárdio. A presença de insuficiência aórtica aguda e insuficiência ventricular esquerda refratária também constituem indicação cirúrgica de emergência, bem como hemopericárdio, hemotórax ou outra evidência de ruptura aórtica tamponada, independente do local primário da dissecção. 8.2. Dissecção aórtica envolvendo a aorta torácica descendente (DeBakey tipo III) Quando a dissecção aguda da aorta envolve apenas a aorta descendente, com ou sem o comprometimento da aorta abdominal e vasos ilíacos, e não havendo evidências clínicas de complicações da dissecção aguda, o tratamento deve ser clínico, já que não ficou evidenciada diferença estatisticamente significativa entre o tratamento clínico e o cirúrgico neste subgrupo de pacientes. Complicações como hemotórax, dor persistente, isquemia de membros, insuficiência renal ou paraparesia constituem indicações de cirurgia de emergência direcionada à correção da dissecção através de toracotomia esquerda. Mesmo que assintomático, o desenvolvimento de qualquer evidência de expansão, complicação ou progressão da dissecção deve ser considerado para cirurgia imediata.
A cirurgia para correção da dissecção aórtica aguda é
realizada para prevenir a morte dos pacientes em decorrência da ruptura da
parede da aorta, exsangüinação e, menos freqüentemente, para restabelecer o
fluxo sangüíneo em territórios comprometidos pela dissecção. Nos casos de síndrome de Marfan ou quando existe dilatação da raiz aórtica normalmente não é possível a preservação da válvula nativa. Em pacientes selecionados, como mulheres em idade fértil, a utilização de homoenxertos aórticos criopreservados estão sendo advogados apesar de não haver ainda resultados com a sua utilização a longo prazo. A cirurgia não resseca toda a falsa luz na maioria dos pacientes, mas as áreas na iminência de ruptura ou em que a ruptura já tenha ocorrido devem fazer parte da porção de aorta ressecada. Desta forma a cirurgia é mais paliativa do que curativa e objetiva tratar o sítio de entrada (ruptura da íntima), já que este é o local em que a ruptura da aorta mais freqüentemente ocorre e para que não mais haja fluxo pela falsa luz. A técnica cirúrgica é baseada no conhecimento prévio de
que, após o episódio agudo de dissecção aórtica, os tecidos encontram-se
friáveis. De volta à circulação extra-corpórea, sutura-se um feltro de teflon na borda proximal do coto aórtico, unindo suas camadas e reforçando-as para que se possa realizar a anastomose proximal com o enxerto com mais segurança. Em casos em que ocorra dissecção coronariana há necessidade da realização de ponte de safena para a artéria comprometida. Mais freqüentemente ocorre laceração do óstio da coronária direita, sendo excepcional o comprometimento da coronária esquerda, uma vez que a face medial da aorta ascendente quase sempre é poupada pela dissecção. Nas dissecções do tipo B, o consenso é de indicação de tratamento clínico inicial, caso não existam complicações que imponham cirurgia de urgência, já que não existe diferença significativa se comparado o resultado cirúrgico ao tratamento clínico. Por outro lado, operando-se apenas os pacientes complicados, o risco do tratamento cirúrgico é magnificado. Alguns autores, entretanto, baseados na observação de resultados que evidenciam a alta incidência de complicações tardias, principalmente relacionadas à expansão da falsa luz ou isquemia de diferentes territórios, com sobrevida de apenas 35% em 5 anos dos pacientes com dissecção aórtica aguda do tipo B, indicam reparação cirúrgica na fase inicial da doença, mesmo para os casos não complicados. A correção cirúrgica da dissecção da aorta do tipo B tem sido realizada através da colocação da endoprótese (tipo "tromba de elefante") na aorta descendente sob hipotermia profunda. Os resultados de seguimento desses doentes demonstram sobrevida de 65% em 5 anos e mortalidade de 22% na fase hospitalar. Antecipa-se o uso de rotina de transfusões de plasma fresco congelado, concentrado de plaquetas e crioprecipitado para minimizar o sangramento peri-operatório. Atualmente a utilização de aprotinina, um polipeptídeo com atividade antifibrinolítica, tem sido realizada de rotina nesses pacientes em diferentes protocolos que incluem a sua administração na indução anestésica, durante a circulação extra-corpórea e após a cirurgia. Recentemente tem-se realizado a implantação transfemoral de stents revestidos com Dacron em pacientes com dissecção aguda da aorta descendente com as vantagens de diminuir a morbimortalidade cirúrgica e reduzir os custos hospitalares. Entretanto, esses stents ainda são muito caros, mas o aperfeiçoamento da técnica poderá evitar complicações inerentes à manipulação cirúrgica convencional, como insuficiências respiratória e renal, coagulopatias, paraplegia, hematoma, pseudoaneurismas e infecção.
A mortalidade hospitalar pós-operatória para grupos
heterogêneos varia de 5 a 30%, sendo maior quando há comprometimento da
crossa da aorta (10-25%, podendo chegar a 50%). A maioria das mortes nesta
fase se deve à hemorragia e à insuficiência cardíaca aguda. Dez por cento
dos falecimentos de pacientes deve-se a um acidente vascular cerebral. Alguns fatores aumentam o risco de mortalidade precoce nos pacientes submetidos à cirurgia para correção da dissecção aórtica e incluem diabetes, a equipe clínico-cirúrgica e a Instituição onde o tratamento é realizado, a inclusão do arco aórtico no reparo cirúrgico e a necessidade de revascularização do miocárdio concomitante. Parada cardíaca prévia, tamponamento com choque cardiogênico, insuficiência renal e isquemia visceral e de membros também são fatores que contribuem para o aumento do risco operatório.
O manejo e os cuidados após a fase aguda da dissecção
aórtica são semelhantes, quer esteja o paciente em tratamento clínico
isolado, quer tenha sido o paciente submetido à cirurgia. A manutenção da
pressão arterial sistólica em torno de 100mmHg e a redução da dPdt com a
utilização de drogas, como o nitroprussiato de sódio e beta-bloqueadores,
como discutido anteriormente, devem ser mantidas no pós-operatório se o
paciente evoluir com hipertensão arterial.
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