QUADRO CLÍNICO E CLASSIFICAÇÃO DAS DISSECÇÕES AÓRTICAS

Disciplina de Cardiologia — Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo
Endereço para correspondência:
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A dissecção aguda da aorta é um evento clínico infreqüente, embora seja de gravidade ímpar por suas potenciais conseqüências desastrosas. A mortalidade inicial é estimada em 1% por hora se não tratada adequadamente; hoje, porém, a sobrevida pode ser muito melhor que há poucos anos, desde que haja diagnóstico adequado, instituição de terapêutica clínica apropriada e conduta subseqüente dimensionada para atender as características de cada caso. Para isso, é muito importante uma definição imediata: se existe mesmo dissecção; onde se origina; e se há envolvimento de outras áreas ou órgãos com potencial de isquemia, ruptura ou falência a curto prazo.

Embora dentro do contexto de atendimento em pronto-socorro geral ou cardiológico seja um diagnóstico incomum, a dissecção aguda da aorta é a mais grave das doenças que podem envolver a aorta(1, 2). A suspeita diagnóstica é feita em apenas 50% a 70% dos casos, aproximadamente, após o início dos sintomas; a avaliação feita por meio de estudos "post mortem" têm demonstrado que, em uma proporção que varia de um terço a dois terços dos casos, não há diagnóstico em vida dos pacientes que tiveram dissecção aórtica(3, 4). A relativamente infreqüente ocorrência de dissecção e sua alta mortalidade inicial fazem com que para essa doença, que possui evolução tempo-dependente, a precocidade do diagnóstico seja a chave para que os pacientes acometidos tenham maior chance de sobrevida.

 

HISTÓRICO

 

A dissecção da aorta foi mencionada por Vesalius e depois por Nichols, que fez o diagnóstico na avaliação "post mortem" do rei Jorge II da Inglaterra. Morgagni descreveu, posteriormente, os achados de um paciente com tamponamento cardíaco secundário a ruptura da aorta e Laennec utilizou, em 1826, o termo aneurisma dissecante da aorta pela primeira vez (apud Levinson e colaboradores(5) e Anagnostopoulos e colaboradores(6)). Atualmente o termo dissecção de aorta é preferido, já que em muitas ocasiões a dissecção não se associa a um aneurisma exuberante ou evidente. Nos últimos anos, com o aprimoramento das técnicas de imagem, variantes com extensão menor que na dissecção clássica têm sido descritas, sendo caracterizadas com os nomes de hematoma intramural de aorta e úlcera penetrante de aorta(7, 8). Apesar dessa aparente melhora diagnóstica e do "aumento" relativo do número de casos, é fácil verificar que ainda existe grande contingente de casos sem diagnóstico: se o número de casos novos de dissecção é de 5/100.000 pessoas/ano(9) somente na cidade de São Paulo, deveríamos ter 500 novos casos/ano; mesmo somando a casuística de todos os centros terciários da cidade, fica-se distante desse número. Por muitas décadas a dissecção de aorta foi, de forma geral, praticamente sempre fatal; porém, nas últimas décadas, o prognóstico e as perspectivas futuras melhoraram muito, com os diagnósticos feitos mais precocemente, com o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas que substituem a área afetada (especialmente a partir das proposições de DeBakey, Cooley e

Crawford) e, mais recentemente, com a utilização de stents percutâneos na aorta.(10-12) A utilização de betabloqueadores nessa entidade, além de proporcionar controle imediato e rápido da pressão arterial com a utilização de medicamentos tipo nitroprussiato, envolvendo, portanto, controle permanente e rígido da pressão arterial, tem sido essencial na fase aguda e, posteriormente, na evolução, para impedir ou retardar a expansão da aorta ou a ocorrência de novas dissecções(13).

ETIOLOGIA

 

Existem vários fatores de risco bem conhecidos e relacionados de forma evidente com o desenvolvimento de quadros de dissecção da aorta. Existe maior ocorrência de dissecção em indivíduos do sexo masculino com mais de 60 anos de idade. Embora isso também ocorra em nossa experiência, diferentemente de outras séries encontramos distribuição relativamente uniforme de casos ao longo de outras décadas (Fig. 1). Pessoas jovens com doenças do tecido conectivo, como síndromes de Marfan e Ehler Danlos, bem como pacientes com síndromes de Turner ou Noonan ou com arterite de células gigantes, apresentam a doença com mais freqüência. Outras doenças que envolvem a aorta também podem estar relacionadas com dissecção, como presença de coarctação da aorta e válvula aórtica bicúspide. É extremamente freqüente a associação com hipertensão arterial sistêmica nos pacientes que desenvolvem dissecção da aorta, o que ocorre, na maioria das séries, em uma faixa de 80% a 90%. Outros fatores que podem estar relacionados à ocorrência de dissecção de aorta envolvem fatores iatrogênicos, como os relacionados a cateterismo cardíaco, balão intra-aórtico e manipulação cirúrgica da aorta durante cirurgias cardíacas. Existem relatos, também, de dissecção em usuários de cocaína ou pessoas que tiveram trauma torácico não-penetrante. Gestantes no último trimestre de gravidez, hipertensas e, especialmente, se portadoras de síndrome de Marfan também são mais suscetíveis ao desenvolvimento de dissecções da aorta(2, 14, 15).

 

Figura 1. Prevalência de dissecção aórtica, analisada por décadas, em 100 casos consecutivos (48 tipo A, 52 tipo B) da Escola Paulista de Medicina no período de 1994 a 1997. O tipo A é mais freqüente nas faixas mais jovens (39 a 59 anos) e o tipo B, nas faixas acima de 60 anos(15).


 

Mesmo em séries de autópsias, muitas vezes não se consegue identificar laceração da íntima; portanto, em uma minoria de casos, a hemorragia da média parece ser a causa primária da dissecção. Para alguns autores, isso ocorre em até 13% dos casos(16). Hoje poderia haver um questionamento de que esses casos refletem, na verdade, a presença de hematoma intramural e não, necessariamente, de dissecção da aorta com lesão intimal.

 

CLASSIFICAÇÃO DAS DISSECÇÕES AÓRTICAS

 

Um raciocínio objetivo e feliz, orientado para resolução do problema, fez com que duas excelentes propostas de classificação das dissecções da aorta fossem desenvolvidas em um período relativamente curto, observando que a maioria das dissecções ou se origina logo acima da válvula aórtica ou logo após a artéria subclávia esquerda. Segundo a classificação de DeBakey(17) em dissecção dos tipos I, II e III, no tipo I o local de origem da dissecção se propagava desde a aorta ascendente até, no mínimo, o arco aórtico e, muito freqüentemente, para toda a aorta descendente; o tipo II correspondia a dissecções que se originavam e se limitavam apenas à aorta ascendente; e o tipo III corresponderia aos casos cuja dissecção se originava na aorta descendente e se propagava distalmente na aorta toracoabdominal. A proposição de Daly(18), ou classificação de Stanford, chama as dissecções que envolvem a aorta ascendente de tipo A (compreendendo, portanto, os tipos I e II de DeBakey), e de tipo B todas as dissecções que não comprometem a aorta ascendente. Nesta última classificação, portanto, uma dissecção de aorta que se inicia após a subclávia esquerda (e que seria, portanto, do tipo B), caso apresente dissecção retrógrada, com comprometimento da aorta ascendente, passa a ser chamada de dissecção tipo A e não mais tipo B. Essa classificação passou a ser mais utilizada nos últimos anos por correlacionar, de forma objetiva, o prognóstico com o local da dissecção (as dissecções de aorta ascendente são muito mais graves que as de aorta descendente, a tal ponto que dissecções tipo A têm indicação cirúrgica imediata, praticamente sem controvérsias na literatura). Outro modo de classificação, apenas descritivo, mas também utilizado, chama de dissecções proximais as que envolvem a aorta ascendente(19) (compreendendo, portanto, DeBakey I e II ou Stanford A) e de distais as que envolvem a aorta descendente (incluindo, portanto, DeBakey III ou Stanford B) (Fig. 2).

 

Figura 2. Classificações mais freqüentemente utilizadas em dissecção aórtica. (Modificado da referência


 

Em decorrência do acometimento extenso da aorta, com envolvimento de outras áreas ou redissecções, o acompanhamento tardio das dissecções tipo A revela sobrevida de 75% após cinco anos e de apenas 20% após quinze anos. As dissecções que envolvem a aorta ascendente correspondem a 60% a 70% dos casos; a aorta descendente, a 20%; o arco aórtico, a 10%; e a aorta abdominal, a 5%.(20)

Apesar de as classificações citadas não permitirem uma "acomodação" perfeita de casos de dissecção retrógrada, de arco (com tática e risco cirúrgico muito diferentes de um tipo A comum) e de abdome, elas persistem em uso clínico por um período superior a duas décadas exatamente por serem objetivas e práticas. Erbel e colaboradores(21) foram os últimos, em 1993, a propor uma subdivisão nas classificações já existentes, dividindo o tipo III de DeBakey ou B de Stanford, pelo eco transesofágico, em: IIIa, quando há fenda presente e dissecção anterógrada (50% de seus casos); IIIb, quando há fenda com dissecção retrógrada envolvendo só a descendente (10% de seus casos); IIIc, com presença de fenda e dissecção retrógrada atingindo o arco ou aorta ascendente (27% de seus casos); e IIId, quando a dissecção não tem comunicação do hematoma com a luz vascular (13% de sua casuística). Consultando em junho de 2001 o "The Web of Science", do The Institute of Scientific Information, usando o "Science Citation Index Expanded", no período entre 1995 e 2001, em língua inglesa, encontramos mais de 600 artigos sobre dissecção aórtica, nenhum deles propondo novas classificações para dissecção. Propostas hoje existentes referem-se a tentativas de classificação das variantes de dissecção, tipo hematoma intramural, como a proposta de Svensson e colaboradores(22), que chamam a atenção para a existência de ruptura isolada de íntima, sem hematoma na parede, após quadro clínico de dor precordial intensa. Essa variante poderia passar despercebida mesmo para semiologia sofisticada.

A classificação das dissecções aórticas, além de sua localização, também pode envolver uma escala temporal de dissecções: agudas ou crônicas. As dissecções com apresentação clínica inferior a duas semanas são chamadas de agudas, enquanto as dissecções com duas semanas ou mais são definidas como crônicas; isso tem importância prática porque a curva de mortalidade já se estabilizou após duas semanas, ou seja, a maior mortalidade já ocorreu; assim, uma série clínica ou cirúrgica composta de muitos casos crônicos fatalmente, só por isso, já terá melhor prognóstico que séries compostas predominantemente de casos agudos. Habitualmente os casos agudos correspondem a 70% a 80% das séries maiores. Na fase crônica, o risco de óbito é de 5% ao mês no primeiro ano e de 1% ao mês entre o primeiro e o terceiro anos(23).

 

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

 

Sintomas

As manifestações clínicas de dissecção da aorta envolvem grande diversidade de apresentação, com aspectos polimórficos que contribuem, à primeira vista, para maior dificuldade diagnóstica. Esses mesmos aspectos, porém, se adequadamente explorados, ajudam no diagnóstico. Para isso, é essencial haver alto grau de suspeita clínica. Assim, a apresentação da dissecção pode lembrar insuficiência coronariana aguda, insuficiência aórtica aguda, pode ter características de isquemia vascular cerebral, mesentérica ou periférica, além de quadros que podem lembrar pericardite, embolia pulmonar, compressão de cava superior etc.(2, 15, 24). Os dados nas séries clínicas de Slater-DeSanctis, Spittel e do Registro Internacional de Dissecção Aórtica (IRAD)(25-27) são uniformes em apontar que a manifestação clínica inicial mais comum é dor torácica intensa, encontrada em até 96% dos casos. Essa dor é descrita, habitualmente, como súbita e insuportável, de intensidade máxima na apresentação inicial, muitas vezes descrita como de caráter dilacerante ou lancinante, ou como sensação de se estar sendo "rasgado", muitas vezes com transmissão para as regiões dorsal e abdominal. A presença de hipertensão arterial é extremamente freqüente, havendo hipotensão arterial ou choque apenas nos casos de grande derrame pericárdico ou tamponamento cardíaco. Os portadores de síndrome de Marfan podem ter dissecção de aorta sem apresentar quadro clínico típico, muitas vezes sem dor precordial.

A dor característica de acompanhar o caminho da aorta, isto é, passar da porção anterior do tórax para o dorso, ocorre com freqüência (embora na série do Registro Internacional(27) tenha sido infreqüente) e é uma pista importante para o diagnóstico. Em nosso material, o indivíduo com dor precordial que se inicia na parede anterior do tórax e que se irradia para o dorso tem grande chance de ter dissecção tipo A, enquanto os casos que ocorrem com dor apenas dorsal têm mais freqüentemente dissecção do tipo B.(24) Rosman e colaboradores(28), analisando 83 casos confirmados de dissecção, verificaram que a suspeita diagnóstica inicial foi de 85%(28). Quando a qualidade da história envolvendo a caracterização da dor (tipo, localização e irradiação) foi adequada e envolvia as três características descritas, o diagnóstico foi correto em 91% das vezes; quando a história tinha pior qualidade, sem avaliar todas as características da dor, o diagnóstico foi correto em apenas 45% dos casos. A associação de dor torácica anterior ou dorsal, com síncope, déficit neurológico, choque, hemoptise, diferença de pulsos e presença de insuficiência aórtica, é extremamente indicativa e suspeita para dissecção da aorta. Sintomas menos comuns na apresentação inicial incluem insuficiência cardíaca congestiva, paraplegia e morte súbita. Morte súbita é encontrada em apenas 3% a 4% dos casos, enquanto a síncope ocorre em até 12% das apresentações clínicas (em nossa experiência é bem menor, de 3% a 4%). A presença de insuficiência cardíaca congestiva quase invariavelmente aponta para o envolvimento da válvula aórtica com a presença de insuficiência aórtica importante, quase sempre induzida por desabamento do folheto valvar (que, constitucionalmente, é íntegro) ou presença de tamponamento cardíaco. É obrigatoriamente uma indicação de cirurgia de emergência. O diagnóstico diferencial entre dor precordial isquêmica e dissecção aórtica tornou-se ainda mais importante no cenário atual, em vista da terapêutica potencial com reperfusão trombolítica, que implica uma catástrofe enorme para o portador de dissecção. Felizmente o uso inapropriado de trombolítico, em casos de dissecção aórtica, é raro, embora evidentemente esses casos possam ser sub-relatados. O estudo europeu de trombólise pré-hospitalar(29) encontrou, em 2.750 pacientes, 9 casos de dissecção (0,33%) com uso incorreto de trombolítico. Em nosso meio, no ano passado, Almeida e colaboradores(30) fizeram uma análise da literatura nacional e internacional envolvendo 36 casos de trombólise inadequada na presença de dissecção aórtica. Como esperado, o uso do trombolítico foi catastrófico, com grande perda sanguínea e má evolução dos pacientes, clínicos ou cirúrgicos. Em dois terços dos casos, no entanto, o eletrocardiograma não era diagnóstico de infarto agudo do miocárdio com ST supra, o que implicaria a não-utilização inicial do fibrinolítico.

 

Exame físico

Embora extremamente variável, os achados de exame físico podem refletir a localização da dissecção e sua extensão. Em algumas ocasiões, mesmo com dissecção aórtica extensa, o exame físico pode ser normal, mas vale ressaltar que não existe a palavra estável para dissecções agudas, que são o protótipo de quadros dinâmicos, instáveis. A presença de hipotensão importante, que ocorre em torno de 4% a 6% dos casos, pode significar tamponamento cardíaco, insuficiência aórtica aguda grave, ruptura para pleura ou peritônio. No tipo A, a maior prevalência é de pessoas com pressão normal. No tipo B, a maioria dos casos apresenta-se hipertensa, praticamente não havendo casos de hipotensão (Fig. 3). Os dados de exame físico mais classicamente associados à presença de dissecção envolvem as diferenças de pulso, o sopro de insuficiência aórtica e as manifestações neurológicas. Embora mais comuns na dissecção do tipo A que na do tipo B, elas não são exclusivas de um único tipo. A presença de anormalidade nos pulsos ocorre em até 50% (geralmente, 30% a 35%) dos casos de dissecção de aorta ascendente; porém, eles podem ocorrer em menor porcentagem de casos no envolvimento de aorta descendente. A diferença de pulsos, que pode ocorrer na dissecção de aorta atingindo carótida, braquial ou femoral, sugere fortemente compressão da luz vascular dessas artérias, muitas vezes com apresentação isquêmica da área afetada. A insuficiência aórtica pode ocorrer em até 30% dos casos, muitas vezes provocando apenas dispnéia. Quando presente em pacientes com outros dados que indicam lesão de íntima distal, implica presença de lesão preexistente da aorta ascendente ou da raiz da aorta, ou de dissecção retrógrada. O sopro pode variar, mas, habitualmente, em uma situação de insuficiência aórtica aguda, não há sinais periféricos como na insuficiência aórtica crônica, tipo pulsos amplos e "pistol-shot". O envolvimento da válvula aórtica pode ser de forma indireta, com perda do sistema de apoio da válvula, o que provoca regurgitação. Manifestações neurológicas ocorrem em uma faixa de 6% a 15% das dissecções, mas são um pouco mais freqüentes nos casos de dissecções proximais. Acidente vascular cerebral propriamente dito ocorre em 3% a 6% das apresentações clínicas. Quando existe comprometimento da perfusão da artéria medular anterior, pode ocorrer paraparesia ou paraplegia. Em uma pequena porcentagem de casos (1% a 2%), a dissecção pode envolver o óstio de uma artéria coronária e causar infarto agudo do miocárdio, provocando muitas vezes, nesses casos, grandes dificuldades diagnósticas e uso inadequado de trombolíticos ou de encaminhamento para angioplastia primária. Essa ocorrência afeta muito mais freqüentemente a coronária direita que a esquerda. A progressão da dissecção da aorta abdominal pode causar isquemia mesentérica em 3% a 5% dos casos, e envolvimento de artéria renal em 5% a 8% dos casos, até com desenvolvimento de isquemia aguda ou insuficiência renal. Manifestações adicionais envolvem a presença de derrame pleural, mais comum do lado esquerdo, e apresentações tipo rouquidão, febre prolongada, compressão de via aérea superior e ruptura para árvore brônquica com hemoptise. Raramente a dissecção pode apresentar intenso hematoma com equimose de pele, como no caso com dissecção do arco aórtico representado na Figura 4. A presença de sopro contínuo pode indicar ruptura da dissecção para o átrio direito, o ventrículo direito ou o átrio esquerdo.

 

Figura 3. Distribuição da pressão arterial na admissão hospitalar em 100 casos consecutivos com dissecção aórtica. Hipotensão arterial na admissão é marca registrada do tipo A, quase sempre significando grande derrame pericárdico ou tamponamento. Já os pacientes do tipo B geralmente se apresentam hipertensos(15).


 

Figura 4. Radiografia simples de tórax (ao lado, acima) e foto do pescoço (ao lado, abaixo) de paciente do sexo masculino, com dissecção de arco aórtico e ruptura, com extravasamento de grande hematoma causando equimose visível no pescoço sem compressão de vias aéreas. A radiografia de tórax mostra coração normal, ausência de derrame pleural e alargamento de mediastino superior direito e esquerdo. A ruptura da íntima, conforme outros subsidiários, ocorreu no arco aórtico.


 

Fazendo uma comparação da apresentação clínica de dissecção aórtica em três instâncias diferentes (Escola Paulista de Medicina, São Paulo, Brasil — 100 casos(15); Dublin, Irlanda — 55 casos(31); e Registro Internacional de Dissecção Aórtica (IRAD)(27) — 464 casos distribuídos entre Estados Unidos, Alemanha e Japão), verifica-se que a média de idade da apresentação clínica no Brasil é significantemente menor (55 anos contra 63 no IRAD e 68 em Dublin), talvez por maior falta de controle dos hipertensos em nosso meio. A prevalência de hipertensos em nossos casos também foi maior (80% "versus" 72% "versus" 62%, respectivamente). Além disso, há variações notáveis na quantidade de déficits neurológicos, isquemia periférica, alterações de pulsos e insuficiência aórtica. A prevalência de sexo masculino entre os afetados foi similar no Brasil, na Irlanda e no IRAD (Tab. 1).

 


 

O diagnóstico diferencial deve incluir infarto do miocárdio, insuficiência aórtica aguda por endocardite infecciosa, aneurismas toracoabdominais não-dissecantes, pericardites, dores de músculo esquelético ou tumor de mediastino. No tocante apenas ao diferencial da dor precordial isolada, os outros diagnósticos principais são: síndrome isquêmica aguda, tromboembolismo pulmonar, pneumotórax hipertensivo e ruptura de esôfago(32).

Em uma análise de quase 300 casos de nosso material, os parâmetros clínicos que geralmente definem dissecção tipo A são: dor torácica anterior, hipotensão arterial, tamponamento cardíaco, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência aórtica e assimetria de pulsos braquiais. Na dissecção tipo B, são parâmetros diagnósticos em geral: dor exclusivamente dorsal, derrame pleural esquerdo, hipertensão arterial e sexo masculino. Não definem diagnóstico de dissecção tipos A ou B os seguintes parâmetros: síndrome de Marfan, dor abdominal, síncope, paraplegia e hemoptise.(24) No registro IRAD, a radiografia simples de tórax não foi tão útil como adjunto diagnóstico, mostrando alargamento de mediastino em 60% a 70% dos casos. Em nosso material, em 166 casos consecutivos analisados, encontramos radiografia de tórax alterado (não apenas alargamento de mediastino) em 96,4% dos casos.

Finalmente, está em desenvolvimento um teste bioquímico envolvendo um imunoensaio de anticorpo monoclonal contra cadeia pesada de miosina da célula muscular da parede da aorta(33). Testes iniciais têm mostrado sensibilidade de 90% e especificidade de 97% para dissecção, não havendo reação cruzada para pacientes com síndrome isquêmica aguda. Em um futuro distante, quem sabe, o auxílio diagnóstico dessa liberação enzimática poderá ser muito útil, no pronto-socorro, para casos com suspeita de dissecção aórtica, assim como hoje isso é clássico para os pacientes com infarto agudo do miocárdio.

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Antonio Carlos Carvalho, Dirceu Rodrigues de Almeida, Grace P