INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO NO PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Endereço para correspondência:
Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 — Vila Mariana — CEP 04012-909 — São Paulo — SP

INTRODUÇÃO

 

A cirurgia de revascularização miocárdica está constantemente evoluindo. Avanços em tecnologia e em anestesia, novas filosofias em cuidados intensivos, e a melhora do tratamento médico e da proteção miocárdica permitiram sua aplicação em pacientes mais idosos e mais graves(1). Apesar desse substancial avanço, que permitiu a melhora da morbidade e da mortalidade, o infarto do miocárdio perioperatório continua a ocorrer. Sua incidência na literatura varia de de 1,4% a 23%(2-4). Recentemente foi publicada incidência de infarto de 0,8% em 3.220 pacientes submetidos a revascularização miocárdica somente com enxertos arteriais.(5)

Sua incidência é variável na literatura por causa dos diferentes critérios diagnósticos adotados nos estudos, das características das populações estudadas e da evolução da técnica cirúrgica. Seu tratamento depende do reconhecimento precoce, das condições clínicas do paciente e das condições do leito arterial coronário nativo.

Em 1979, a Organização Mundial da Saúde(6) definiu o diagnóstico do infarto agudo quando da presença de dois dos seguintes critérios: dor torácica prolongada, alterações eletrocardiográficas típicas e curva enzimática característica. No pós-operatório imediato, a confirmação desse diagnóstico utilizando esses critérios é praticamente impossível.

 

ASPECTOS CLÍNICOS

 

A avaliação clínica para diagnóstico de infarto agudo do miocárdio no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca não é possível na maioria dos casos. Isso porque a dor torácica é uma constante envolvendo as regiões anterior do tórax e epigástrio decorrente da esternotomia mediana, drenos mediastinais e pleurais, e pericardite. A imobilização prolongada pode causar dor em região dorsal e cervical, e a intubação orotraqueal pode causar dor em região mandibular. A dispnéia pode ser decorrente de congestão venocapilar, secreções de vias aéreas superiores, atelectasias pulmonares, derrame pleural, pneumotórax e presença dos drenos pleurais e mediastinal. A diaforese ocorre secundária à hipoglicemia, à hipoxia, à hipotensão arterial, à dor intensa e a náuseas e vômitos. Além disso, os mecanismos fisiopatológicos do infarto perioperatório são vários, pois ocorre na indução anestésica, durante a circulação extracorpórea ou no período de pós-operatório.

Nas primeiras horas após o término da cirurgia, a avaliação clínica fica prejudicada pelo efeito anestésico, associado à dificuldade de comunicação pela intubação orotraqueal do paciente.

Alguns fatores estão associados ao infarto perioperatório, à doença triarterial, à disfunção ventricular esquerda, à angina instável pré-operatória, e ao tempo de circulação extracorpórea superior a 120 minutos(2, 7, 8).

As alterações clínicas mais comuns do infarto perioperatório são a instabilidade hemodinâmica e/ou a presença de arritmia ventricular grave. Na presença dessas alterações, deve-se avaliar cuidadosamente o paciente para excluir esse diagnóstico.

 

ELETROCARDIOGRAMA

 

Com a limitação da utilização da avaliação clínica em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca descrita anteriormente, o eletrocardiograma passa a ter papel importante no diagnóstico do infarto perioperatório. A presença de onda Q patológica, com duração igual ou maior que 0,04 segundos, é um forte indicador de necrose miocárdica, e esse é o critério diagnóstico utilizado em vários estudos.

Rose e colaboradores(7) avaliaram 78 pacientes submetidos a revascularização miocárdica ou cirurgia valvar e adotaram a presença de onda Q patológica como critério de diagnóstico de infarto perioperatório. O infarto ocorreu em 5 (10%) pacientes, que também apresentaram níveis de CK-total acima de 2.000 UI/l. Em outros quatro pacientes houve discordância entre o eletrocardiograma e o nível enzimático. Destes, três apresentaram níveis enzimáticos elevados, mas não se acompanharam de alterações eletrocardiográficas, e um paciente apresentou alterações eletrocardiográficas e nível de CK-total abaixo de 2.000 UI/l. Os pacientes que apresentaram infarto perioperatório evoluíram com maior incidência de choque cardiogênico e arritmias ventriculares graves e óbito. Os autores concluíam que a presença de onda Q patológica permitiu o diagnóstico de infarto perioperatório, e que esses pacientes apresentam pior evolução. Com o critério diagnóstico utilizado nesse estudo, provavelmente foram diagnosticados somente portadores de lesão miocárdica extensa. As pequenas áreas de necrose, com alterações do segmento ST e da onda T e menores níveis enzimáticos, não foram diagnosticadas.

Espinoza e colaboradores(8) avaliaram 37 pacientes submetidos a revascularização miocárdica isolada ou associada a outros procedimentos e observaram que a onda Q pode ser transitória, secundária a distúrbio metabólico grave, após clampeamento aórtico, no início da circulação extracorpórea e durante a estimulação atrial com marcapasso, o que foi confirmado também em outros estudos(4, 9-11). O aparecimento de nova onda Q patológica tem valor diagnóstico quando permanente.

De Hert e colaboradores(12) avaliaram o benefício da monitorização adicional da derivação V4R para detecção de alterações do segmento ST durante a revascularização miocárdica em 210 pacientes. Esse estudo demonstrou aumento do diagnóstico de isquemia perioperatória de 20% em relação à utilização de derivações convencionais. Esse achado, porém, ocorreu somente em pacientes com tratamento da artéria coronária direita.

A elevação do segmento ST maior ou igual a 0,1 mv em duas ou mais derivações contíguas no pós-operatório deve ser avaliada criteriosamente, pois pode ser decorrente da revascularização de uma área inativa prévia, de aneurismectomia isolada ou associada, de pericardite, ou de espasmo de um enxerto arterial ou de uma artéria coronária nativa.

As alterações da repolarização ventricular são pouco específicas para diagnóstico de infarto perioperatório. Nesses casos, a presença de instabilidade hemodinâmica ou de elevação enzimática muito acima do valor de referência pode sugerir a presença dessa complicação. Exames mais sofisticados, como cintilografia miocárdica ou estudo ecocardiográfico, poderão confirmar o diagnóstico de áreas menores de lesão miocárdica.

Vários estudos avaliaram o papel prognóstico de novas alterações no eletrocardiograma, como a onda Q patológica(4, 9, 11-13), a amputação da onda R e a alteração do segmento ST(9, 11) no período de pós-operatório imediato. A maioria dos estudos demonstrou pior evolução em pacientes com nova onda Q no pós-operatório da revascularização miocárdica. Somente Hodakowski e colaboradores(4) não demonstraram pior evolução nesse grupo de pacientes. Nesse estudo, 20 (10,3%) pacientes apresentaram infarto perioperatório e 17 (85%) foram submetidos a estudo cineangiocoronariográfico no pós-operatório. Em 11 (65%), a fração de ejeção e a movimentação de paredes foram normais e todas as pontes estavam pérvias. Não houve diferença quanto aos eventos cardíacos, na evolução de três anos, entre os pacientes com ou sem nova onda Q. Tanto a amputação da onda R como as alterações do segmento ST-T não influenciaram a evolução a curto e a longo prazos.

 

MARCADORES BIOQUÍMICOS DE LESÃO MIOCÁRDICA

 

O diagnóstico de infarto do miocárdio após cirurgia cardíaca com a utilização dos marcadores de lesão miocárdica é limitado, pois praticamente todos os pacientes apresentam algum grau de elevação de seus níveis decorrentes do manuseio cirúrgico.

 

CREATINAQUINASE E SUAS ISOENZIMAS

 

A creatinaquinase é uma enzima que catalisa a transferência de fosfato de alta energia da molécula do trifosfato de adenosina para produzir a creatina fosfato. Embora sensível para o diagnóstico de lesão muscular, não é específica para o diagnóstico de lesão miocárdica.

Sua isoenzima CK-MB, embora considerada padrão para o diagnóstico de infarto do miocárdio, também apresenta limitações decorrentes de sua presença na musculatura periférica. A maioria dos pacientes submetidos a cirurgia cardíaca apresenta elevação dos níveis de CK-MB entre seis e oito horas, normalizando-se entre dois e três dias, enquanto a creatinaquinase atinge seu pico em torno de 21 horas, normalizando-se em cinco dias.(14)

A própria toracotomia pode liberar a creatinaquinase do músculo esquelético, que contém de 1% a 3% da CK-MB. Além disso, a CK-MB está presente no miocárdio ventricular e atrial e a atriotomia para sua canulação, a manipulação cardíaca direta, a pericardite e a miocardite pós-operatória podem liberar esse marcador(15).

Gensini e colaboradores(10) avaliaram o papel da nova onda Q e da troponina I no infarto perioperatório em 42 pacientes submetidos a revascularização miocárdica isolada. O critério diagnóstico de infarto utilizado nesse estudo foi a presença de nova onda Q com 0,04 segundo de duração, elevação da CK-MB atividade acima de 50 UI/l nos dois primeiros dias de pós-operatório ou presença de acinesia de parede no estudo ecocardiográfico. O nível de 50 UI/l para a CK-MB atividade mostrou sensibilidade diagnóstica de 70%, especificidade de 70,6%, valor preditivo positivo de 37,5% e valor preditivo negativo de 92,3%. Os autores avaliaram, também, níveis de 20 UI/l da CK-MB atividade, que mostrou sensibilidade de 100%, especificidade de 8,8%, valor preditivo positivo de 20,5% e valor preditivo negativo de 100%. A troponina I (cTnI) apresentou sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo de 100% para níveis maiores ou iguais a 9,2 ng/ml, para um valor de referência do teste de 0,35 ng/ml. Os autores demonstraram que valores de CK-MB atividade menores que 20 UI/l e ausência de alteração eletrocardiográfica sugerem cirurgia não-complicada, enquanto níveis iguais ou superiores a 50 UI/l e presença de nova onda Q patológica sugerem o infarto do miocárdio perioperatório. A dosagem da cTnI mostrou-se acurada para o diagnóstico de infarto perioperatório.

 

MIOGLOBINA

 

É uma hemoproteína citoplasmática de baixo peso molecular, encontrada tanto em músculo cardíaco como em periférico, sendo, portanto, inespecífica. Como é liberada rapidamente e com vida média curta, apresenta janela diagnóstica diminuída, o que limita seu uso(14). Não é um marcador a ser utilizado para diagnóstico de infarto perioperatório, principalmente por causa de sua inespecificidade.

 

TROPONINAS

 

As troponinas são proteínas regulatórias localizadas no músculo estriado ligadas ao aparato contrátil celular. As tropinas I e T são específicas para o diagnóstico de lesão miocárdica por possuírem cadeia de aminoácidos diferente da cadeia de aminoácidos das troponinas do músculo esquelético. A troponina C apresenta cadeia de aminoácidos idêntica para ambos os músculos; por isso, é um marcador inespecífico e não é utilizada.

A especificidade dessas proteínas é demonstrada também pela observação de que a esternotomia isolada não apresenta aumento detectável de suas concentrações na circulação sanguínea(16).

Mair e colaboradores(15) avaliaram o papel da troponina T em 31 pacientes submetidos a revascularização miocárdica. O critério diagnóstico de infarto utilizado nesse estudo foram níveis de CK-MB atividade acima de 20 UI/l e novas ondas Q patológicas no eletrocardiograma ou pela necropsia.

Em um grupo de 15 pacientes, não houve alterações eletrocardiográficas e enzimáticas de isquemia miocárdica e a troponina T (cTnT) nesses pacientes não ultrapassou 3,55 ng/ml para um valor de referência de 0,5 ng/ml. Em três pacientes foi diagnosticado infarto perioperatório não-Q e os níveis de cTnT excederam 3,55 ng/ml. Em 13 pacientes que apresentaram alterações do segmento ST-T, 6 apresentaram cTnT acima de 3,55 ng/ml. Desses 6 pacientes, somente 3 apresentaram níveis de CK-MB compatíveis com infarto agudo do miocárdio. Os autores concluíram que tanto a cTnT como a CK-MB diagnosticam grandes áreas de necrose, mas a cTnT foi superior para o diagnóstico de pequenos infartos.

Etievent e colaboradores(17) avaliaram a liberação de troponina I (cTnI) em pacientes submetidos a cirurgia valvar aórtica ou revascularização miocárdica isolada. Esse estudo demonstrou correlação direta entre tempo de clampeamento aórtico e níveis de cTnI nos pacientes valvulares, mas os pacientes submetidos a revascularização miocárdica apresentaram níveis superiores de cTnI. Os autores sugeriram, então, que a cTnI pode ser utilizada para comparar diferentes técnicas de cardioproteção. Resultados semelhantes foram descritos por Vermes e colaboradores(18), que avaliaram um grupo semelhante de pacientes e demonstraram a mesma correlação para pacientes valvulares. Os pacientes submetidos a revascularização miocárdica, porém, não apresentaram níveis superiores de troponina I.

Carrier e colaboradores(19) avaliaram o papel da cTnI e da cTnT em 590 pacientes submetidos a revascularização miocárdica. O critério diagnóstico de infarto foi definido pela presença de nova onda Q ou níveis de CK-MB atividade de 100 UI/l em até 48 horas de pós-operatório. A cTnT foi dosada em 493 pacientes, dos quais 22 (4,5%) apresentaram infarto. A cTnI foi dosada em 97 pacientes, dos quais 6 (6,2%) apresentaram infarto. Níveis de cTnT acima de 3,4 ng/ml em até 48 horas após a cirurgia e níveis de cTnI em até 24 horas após a cirurgia foram compatíveis com infarto. Os valores de referência do teste da cTnT eram de 0,02 ng/ml e da cTnI eram de 0,5 ng/ml. A cTnT apresentou sensibilidade diagnóstica de 90%, especificidade de 94%, valor preditivo positivo de 41% e valor preditivo negativo de 99%. A cTnI apresentou sensibilidade de 80%, especificidade de 85%, valor preditivo positivo de 24%, e valor preditivo negativo de 99%.

No momento, a utilização das troponinas apresenta limitações. Os estudos foram realizados com diferentes testes, com grande variação dos valores de referência e com gerações diferentes de testes, o que impossibilita a comparação dos resultados. Pacientes submetidos a cirurgia cardíaca apresentam algum grau de dano celular decorrente da circulação extracorpórea e do manuseio do coração. Assim, os níveis sanguíneos das troponinas para o diagnóstico do infarto devem ser mais elevados e devem ser definidos na instituição e em uma população específica.

 

PROTEÍNAS LIGADAS AO ÁCIDO GRAXO

 

As proteínas ligadas ao ácido graxo devem estar envolvidas no transporte de ácidos graxos de cadeia longa do sarcolema aos diferentes locais de oxidação e esterificação. Possuem baixo peso molecular de 15 kilodaltons, são hidrofílicas e encontram-se no citoplasma celular. Em um grupo seleto de pacientes submetidos a revascularização miocárdica, os níveis máximos sanguíneos de proteínas ligadas ao ácido graxo se correlacionaram a maior dano miocárdico e a diagnóstico mais precoce que a CK-MB e a troponina T(20, 21). Outro estudo, além de apresentar resultados semelhantes ao estudo anterior, demonstrou que níveis urinários elevados desse marcador se correlacionam com a função cardíaca(22). Novos testes com anticorpo monoclonal para esse marcador estão sendo desenvolvidos, o que permitirá sua utilização futura(14).

 

GLICOGÊNIO 6 FOSFORILASE

 

Glicogênio 6 fosforilase é a enzima chave para a glicogenólise e possui três isoenzimas: BB (cerebral), MM (muscular) e LL (fígado). A isoenzima BB é também encontrada no miocárdio, onde é predominante, enquanto a isoenzima MM é exclusivamente de musculatura periférica. Durante episódios isquêmicos, a glicogenólise é aumentada e grandes quantidades da isoenzima BB são liberadas.

Atinge a circulação sanguínea mais precocemente que a CK-MB e que as troponinas e apresenta reação cruzada em menos de 1% com as isoenzimas LL e MM. Dados preliminares indicam que a forma BB é um sensível marcador de lesão miocárdica perioperatória em pacientes submetidos a revascularização miocárdica. No entanto, estudos ainda são necessários para confirmar seu papel de marcador de lesão miocárdica após revascularização miocárdica(14).

 

ECOCARDIOGRAMA

 

O ecocardiograma possui importante papel no diagnóstico de lesão miocárdica perioperatória, embora nem todos os pacientes com anormalidade persistente de movimentação de parede apresentem infarto do miocárdio. Essas alterações podem ser secundárias à isquemia miocárdica, à incoordenação de contração muscular por condução nervosa anormal ou à acinesia prévia.

Smith e colaboradores(23) avaliaram o papel do ecocardiograma transesofágico e do eletrocardiograma em 50 pacientes submetidos a cirurgia cardíaca. Esse estudo demonstrou maior detecção de isquemia miocárdica intra-operatória com o ecocardiograma transesofágico em relação ao eletrocardiograma. Os pacientes que apresentaram anormalidades persistentes de movimentação de parede ventricular tiveram maior incidência de infarto do miocárdio. Nenhum paciente com exame ecocardiográfico normal ou igual ao do pré-operatório evoluiu com infarto.

Comunale e colaboradores(24) avaliaram o papel do ecocardiograma transesofágico e do Holter no transoperatório em diagnosticar isquemia e infarto durante a revascularização miocárdica isolada em 351 pacientes. O critério diagnóstico de infarto do miocárdio utilizado nesse estudo foi a presença de nova onda Q no eletrocardiograma ou nível de CK-MB massa maior ou igual a 100 ng/ml após 12 horas de cirurgia.

Isquemia miocárdica transoperatória ocorreu em 126 (36%) pacientes, diagnosticada pelo Holter ou pelo exame transesofágico. A concordância entre esses dois métodos foi baixa, de apenas 17%. O infarto ocorreu em 62 (17%) pacientes, dos quais 32 apresentaram isquemia durante a cirurgia. Destes, 28 (88%) foram identificados pelo estudo transesofágico e 13 (41%), pelo Holter. O ecocardiograma transesofágico mostrou-se superior no diagnóstico de isquemia miocárdica.

Em pacientes que apresentem limitações para análise eletrocardiográfica, o ecocardiograma é essencial para o diagnóstico do infarto perioperatório. A utilização rotineira do ecocardiograma transesofágico para monitorar a isquemia transoperatória necessita ainda de ensaios prospectivos que avaliem seu custo e o impacto a curto e longo prazos da presença de isquemia transoperatória nesses pacientes.

 

CINTILOGRAFIA DO MIOCÁRDIO

 

Originalmente desenvolvidas para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio espontâneo, algumas técnicas de medicina nuclear foram avaliadas no diagnóstico do infarto perioperatório.

A cintilografia com pirofosfato de tecnécio que apresenta janela diagnóstica ótima de 12 a 120 horas de evolução foi a mais estudada. Sua limitação seria a necessidade de remoção do paciente da unidade de pós-operatório para a realização do exame, o que inviabiliza o diagnóstico precoce. Outro aspecto importante é a necessidade de análise comparativa com um exame prévio, pois a presença de áreas de calcificação em válvulas e aneurismas calcificados pode apresentar uma imagem positiva na ausência de lesão aguda.

Platt e colaboradores(24) avaliaram o papel da cintilografia com pirofosfato de tecnécio para o diagnóstico de infarto perioperatório, em relação ao eletrocardiograma e à elevação enzimática. A cintilografia foi realizada no pré-operatório e entre o terceiro e o quinto dias após a cirurgia. A incidência de infarto pós-operatório pelo eletrocardiograma e enzimas foi de 12%, enquanto a cintilografia foi positiva em 31%, isso porque a cintilografia pode detectar pequenas áreas de necrose, que não promoveram alterações eletrocardiográficas e enzimáticas.

Righetti e colaboradores(3) avaliaram o papel de novas ondas Q patológicas no eletrocardiograma, a área de lesão utilizando a CK-MB atividade e a cintilografia com pirofosfato de tecnécio em 41 pacientes submetidos a revascularização miocárdica. A incidência de infarto perioperatório elevou-se de 15% pelo critério eletrocardiográfico para 27%, quando utilizada a associação do cálculo da área de lesão com cintilografia com pirofosfato de tecnécio.

Em outro estudo, que avaliou o papel do eletrocardiograma, da cintilografia com pirofosfato de tecnécio e da alteração enzimática, foi demonstrada excelente correlação entre estes últimos dois métodos para o diagnóstico de infarto perioperatório, não demonstrado com o eletrocardiograma(26).

A utilização da cintilografia pirofosfato de tecnécio com gluco-heptonato, embora não tenha apresentado resultado diagnóstico superior ao da cintilografia com pirofosfato de tecnécio, permitiu diagnóstico mais precoce, em torno de cinco horas após a cirurgia(22).

Essas técnicas, embora úteis, apresentam grande limitação, que é a impossibilidade de sua aplicação em todos os pacientes submetidos a revascularização miocárdica. É praticamente impossível realizar estudo pré- e pós-operatório em todos os pacientes.

 

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE INFARTO PERIOPERATÓRIO

 

— Presença de novas ondas Q patológicas persistentes no eletrocardiograma de pós-operatório acompanhadas de elevações dos níveis dos marcadores de lesão miocárdica. Elevações iguais ou superiores a cinco vezes seu valor de referência para a CK-MB atividade. Os níveis para as troponinas necessitam ser determinados na própia instituição.

— Diagnóstico de infarto perioperatório de menor extensão, sem alteração eletrocardiográfica, deverá ser confirmado com a utilização de técnicas de imagem, comparando-se exames pré- e pós-operatórios.

— Presença de oclusão arterial ou de enxerto arterial ou venoso com nova área de acinesia ventricular na cineangiocoronariografia no pós-operatório para diagnóstico precoce, quando o eletrocardiograma de admissão do paciente na unidade de recuperação pós-operatória apresentar supradesnivelamento do segmento ST.

 

TRATAMENTO DO INFARTO PERIOPERATÓRIO NO INSTITUTO DANTE PAZZANESE DE CARDIOLOGIA

 

A presença de supradesnivelamento do segmento ST no eletrocardiograma de admissão é avaliada cuidadosamente para excluir as possíveis causas de supradesnivelamento. Na suspeita de infarto agudo do miocárdio discute-se com o cirurgião e avalia-se a cineangiocoronariografia para avaliar a qualidade do leito arterial coronário.

Em presença de leito coronário de boa qualidade, encaminha-se o paciente para o laboratório de hemodinâmica para tratamento. Na impossibilidade de tratamento, o paciente é encaminhado para reoperação.

Nos casos de leito arterial de má qualidade, trata-se o paciente clinicamente com nitrato, betabloqueador, aspirina, antiarrítmicos e vasopressores, quando necessário.

 

PROGNÓSTICO

 

Schaff e colaboradores(27) analisaram a influência do infarto do miocárdio perioperatório na sobrevida tardia de 9.777 pacientes do estudo "Coronary Artery Surgery Study" (CASS), submetidos a revascularização miocárdica. O infarto perioperatório ocorreu em 561 (5,7%) pacientes durante a hospitalização. A sobrevida tardia após um, três e cinco anos nos pacientes sem isquemia foi de 96%, 94% e 90%, respectivamente, comparada a 78%, 74% e 69% (p < 0,0001) naqueles que evoluíram com infarto perioperatório. A análise multivariável demonstrou que o infarto perioperatório foi preditor independente de pior evolução, sendo inferior somente à função ventricular esquerda, à idade e ao número de doenças associadas.

A avaliação tardia de 3.373 pacientes randomizados para o estudo "Bypass Angioplasty Revascularization Investigation" (BARI)(28), que apresentaram nova onda Q no eletrocardiograma do pós-operatório, também demonstrou pior evolução. A mortalidade em cinco anos para os pacientes com infarto perioperatório foi de 8,0% e de 3,2% (p = 0,04) para aqueles sem infarto, o que representa risco 2,6 vezes maior.

Recentemente, Greenson e colaboradores(29) avaliaram a evolução de 71 pacientes submetidos a revascularização miocárdica e 29, a cirurgia valvar. O diagnóstico de isquemia miocárdica foi realizado pela presença de onda Q no eletrocardiograma e movimentação anormal de parede no estudo ecocardiográfico. Foram dosadas a cTnI, cujo valor de referência era de 0,5 ng/ml, e a CK-MB massa, cujo valor era de 0,6 ng/ml. O infarto perioperatório ocorreu em 17 pacientes, todos com cTnI acima de 40 ng/ml. Os autores estratificaram os pacientes com níveis abaixo de 40 ng/ml e acima de 60 ng/ml. Níveis de troponina I maiores que 60 ng/ml identificaram um grupo de pacientes com maior permanência na UTI, respiração artificial prolongada, desenvolvimento de arritmias graves e eventos cardíacos. A cTnI foi mais sensível e mais específica que a CK-MB massa para avaliar o prognóstico hospitalar desses pacientes.

REFERÊNCIAS

 

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RUI FERNANDO RAMOS, GUSTAVO BERNARDES FIGUEIREDO DE OLIVEIRA