Tratamento cirúrgico da estenose aórtica

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1. Introdução

A causa mais comum de estenose aórtica isolada em adultos é de etiologia degenerativa que produz imobilização das cúspides devido à calcificação. Este processo inicia-se nas bases e progride para os folhetos levando à redução da área valvar significativa, geralmente a partir da 6ª década. Quando ocorre em válvulas bicúspides o acometimento é mais precoce (4ª década). Freqüentemente está associado à calcificação do anel mitral e artérias coronarianas, porém não há fusão de comissura nem regurgitação aórtica. A estenose aórtica de etiologia reumática resulta da adesão e fusão das comissuras e cúspides levando à retração e imobilização das bordas livres das cúspides. Geralmente há regurgitação aórtica e lesão mitral associada.


2. Fisiopatologia

Na estenose aórtica a obstrução desenvolve gradualmente durante décadas. Durante este período o ventrículo esquerdo se adapta à sobrecarga pressórica com hipertrofia de suas paredes, mantendo o stress sistólico da parede (pós-carga). Esta manutenção inicial do stress sistólico da parede é o fator determinante da preservação da fração de ejeção. Contudo, se o processo de hipertrofia é inadequado e o espessamento relativo da parede ventricular não aumenta em proporção ao aumento da pressão intraventricular, o stress sistólico aumenta e a pós-carga elevada causa diminuição da fração de ejeção. O estado contrátil deprimido do miocárdio também contribui para a baixa fração de ejeção na maioria dos pacientes.

Devido à hipertrofia ventricular e redução da complacência, há um aumento da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo sem dilatação, geralmente refletindo disfunção diastólica. Desta forma, a contração atrial desempenha um papel importante no enchimento ventricular e a sua perda, como ocorre na fibrilação atrial, que geralmente leva à deterioração hemodinâmica.


3. História natural

Na história natural da estenose aórtica, existe um longo período de latência onde ocorre um aumento gradual da obstrução. As manifestações clínicas habituais, que geralmente começam na sexta década de vida, são angina pectoris, síncope e insuficiência cardíaca. Na ausência de tratamento cirúrgico, o surgimento de sintomas confere um mau prognóstico. Na presença de insuficiência cardíaca a sobrevida é de 2 anos, para síncope é de 3 anos, e o aparecimento de angina confere uma sobrevida de 5 anos.

Angina ocorre em 2/3 dos casos (50% têm obstrução coronária significativa). Síncope geralmente é devido à perfusão cerebral reduzida que ocorre durante o esforço quando há uma queda da pressão arterial conseqüente à vasodilatação sistêmica na presença de débito cardíaco fixo. Morte súbita pode ocorrer em pacientes com grave estenose aórtica e raramente tem sido descrita em pacientes assintomáticos.


4. Tratamento

Antibioticoterapia profilática está indicado para prevenção de endocardite infecciosa. Pacientes com hipertensão arterial sistêmica devem ser tratados criteriosamente. Excetuando estas condições, não existe tratamento medicamentoso para aqueles que não tenham desenvolvido sintomas. Para os pacientes sintomáticos o tratamento é a cirurgia. A maioria do pacientes assintomáticos leva uma vida normal, embora deva ser aconselhado restrição da atividade física em pacientes com estenose aórtica moderada a grave.

Correction of aortic stenosis by removal of subvalvular membrane.

A estenose aórtica pode ser dividida, dependendo da área valvar, em leve (área > 1,5 cm2), moderada (área entre 1,0 e 1,5 cm2) e grave (>1,5 cm2). Quando a estenose é grave e o débito cardíaco é normal, o gradiente médio transvalvar geralmente é maior que 50 mmHg. Entretanto, as decisões terapêuticas, principalmente relacionadas à abordagem cirúrgica, estão relacionadas com a presença ou não de sintomas. Assim, a área valvar absoluta (ou gradiente pressórico transvalvar) não é o determinante primário da necessidade de troca valvar aórtica.

Pacientes sintomáticos ® Pacientes com angina, dispnéia ou síncope apresentam grande melhora sintomática e de sobrevida após troca valvar aórtica. Nos casos em que a fração de ejeção se encontra reduzida também há benefício, principalmente naqueles em que o principal componente de disfunção é a excessiva pós-carga. Assim, na ausência de comorbidades importantes, troca de válvula aórtica está indicada, a princípio, em todos os pacientes com estenose aórtica grave sintomática.

Pacientes com estenose aórtica grave e gradiente pequeno ® Pacientes com estenose aórtica grave e baixo débito cardíaco geralmente se apresentam com pequeno gradiente pressórico transvalvar (i.e., < 30 mmHg). Nestes pacientes, pode ser difícil distinguir daqueles com baixo débito cardíaco e estenose leve a moderada. Na estenose grave verdadeira a lesão estenótica contribui para uma elevada pós-carga, redução da fração de ejeção e baixo volume sistólico. Na outra situação, a disfunção primária contrátil é responsável pela fração de ejeção reduzida e baixo volume sistólico. Nas duas situações o estado de baixo débito e baixo gradiente pressórico contribuem para o cálculo efetivo da área valvar, podendo atingir valores de gravidade.
Nesta situação, um teste de stress farmacológico ou pelo exercício pode ajudar a diferenciar. Pacientes que não têm estenose grave verdadeira apresentam um aumento na área valvar durante o aumento do débito cardíaco. Em pacientes com estenose aórtica grave, estas alterações podem resultar em uma área valvar maior do que a basal mas ainda na faixa de gravidade, enquanto que nos pacientes sem estenose grave estas alterações superestimam a gravidade da estenose.

Pacientes assintomáticos ® Embora a inserção de uma prótese valvar aórtica esteja associada à baixa morbidade e mortalidade per-operatória, morbidade e mortalidade a longo-prazo pode ser esperada para válvulas biológicas e mecânicas. Complicações graves ocorrem em 2 a 3% por anos e morte devido à próteses em 1% por ano. Assim, mesmo com um risco operatório baixo, o risco combinado da cirurgia e as complicações tardias do uso de próteses podem exceder a possibilidade de prevenção de morte súbita e melhora da sobrevida neste pacientes. Embora seja controverso, existem situações em que há uma tendência ao tratamento cirúrgico : resposta anormal ao teste de esforço (hipotensão), disfunção sistólica ou hipertrofia ventricular esquerda excessiva e evidências de estenose aórtica extremamente grave.

Valvuloplastia aórtica por balão ® Embora este procedimento tenha um importante papel no tratamento da estenose aórtica em adultos, jovens e adolescentes, em adultos o seu valor é limitado. As complicações ocorrem com freqüência (>10%); reestenose e deterioração clínica ocorrem em 6 a 12 meses na maioria dos pacientes. Entretanto, pacientes com estenose aórtica grave e edema pulmonar refratário ou choque cardiogênico podem se beneficiar da valvuloplastia como "ponte" para cirurgia.