Tratamento cirúrgico da endocardite infecciosa - para quem, quando e como?

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1. Para quem?

As indicações clássicas de tratamento cirúrgico da Endocardite Infecciosa (EI) estão bem estabelecidas: infecção persistente, insuficiência cardíaca refratária, embolização sistêmica recorrente, distúrbios de condução do estímulo elétrico, isquemia e infecção em próteses valvares, todas ocorrendo em vigência de tratamento clínico adequado.

Entretanto, nos parecem tópicos a serem discutidos a idade avançada, a infecção em pacientes imunodeprimidos, a indicação da 3a ou 4a cirurgias, a detecção precoce de complicações (abscessos; perfurações) pelo ecocardiograma transesofágico (ETE), além do momento ideal da intervenção e do manuseio, custo efetivo de novos e antigos recursos disponíveis.


2. Quando?

2.1. Infecção persistente

Quando se percebe a presença de febre e outros sinais de não controle da infecção (piora do leucograma, hematócrito e marcadores inflamatórios), após a primeira semana de tratamento e/ou de recorrência dos sintomas depois de melhora ou desaparecimento destes.

Devemos, então, pensar em uma série de possibilidades: infecção relacionada a catéteres, que devem ser trocados a cada 72h, quando venosos periféricos ou ao menor sinal de infecção, quando centrais; a cada 96h, quando arteriais ou de Swan-Ganz e quando surgir qualquer dúvida quanto à infecção, no caso de cabos de Marca-passo provisório.

Quando há inadequação da terapia antibiótica por dose que deve ser constantemente revista e a presença de germes resistentes ou o espectro antibiótico inadequado (Estafilococos, Bastonetes Gram negativos e Fungos) ou quando não conseguimos isolar o germe, a cirurgia deve ser considerada.

A presença de abscessos devido a êmbolos sépticos para baço, cérebro, rim deve ser pesquisada e os métodos de imagem devem ser racionalmente utilizados (ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética, cintilografia). Na presença destes abscessos, a abordagem cirúrgica do foco séptico deve ser considerada.

Os abscessos perivalvares devem ser pesquisados e nestes casos o ETE se impõe; sensibilidade de 87 a 90% contra 28 a 43% do Ecocardiograma Transtorácico (ETT) (4,5), nestas situações o tratamento cirúrgico deve ser implementado rapidamente.

2.2. Insuficiência cardíaca refratária

A insuficiência cardíaca congestiva é usualmente controlada com terapia médica adequada, porém o envolvimento da valva aórtica, bem como o agudo agravamento de lesões mitrais regurgitantes, com instabilidade hemodinâmica, como hipotensão arterial, elevação ou manutenção de níveis elevados de Lactato sérico, congestão pulmonar mantida e piora da função renal, marcam situações em que o tratamento cirúrgico está indicado.

Vale ressaltar a importância do ETE na detecção de perfurações valvares, "shunts", como preditor de insuficiência cardíaca grave e necessidade de manuseio cirúrgico precoce (6).

2.3. Embolização sistêmica recorrente

Representa uma das situações de mais difícil decisão.

Qual evento embólico será o do momento cirúrgico e quando é possível, após evento envolvendo órgão nobre (cérebro, por exemplo)? Meta-Análise publicada em Junho de 1997, no "JAS of Echocardiography", pelos Drs. Tischler e Vaitkus, analisou vegetações maiores que 10mm no coração esquerdo, demonstrando um risco de embolização e de necessidade de cirurgia maior que o grupo sem ou com vegetações menores.

Devemos também ter atenção às características e mobilidade das vegetações para indicação cirúrgica precoce nas de maior risco. O momento da cirurgia cardíaca, após o evento embólico, torna-se um dilema quando o cérebro está envolvido, podendo variar de 4 dias a 4 semanas de acordo com as séries (7). Controle tomográfico seriado, aguardando resolução do edema, e a possibilidade de transformação hemorrágica são critérios de indicação cirúrgica.

Apesar destes cuidados, persiste o risco de piora do quadro neurológico em 19% dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, após evento embólico cerebral. A abordagem neurocirúrgica é possível e deve ser realizada nos casos de eventos hemorrágicos ou de "Aneurisma Micótico" detectado precocemente, evitando a cirurgia cardíaca antes da resolução do evento hemorrágico cerebral, pois esta pode cursar com até 50% de mortalidade devido aos problemas relacionados a heparinização durante a circulação extracorpórea.

Como recomendação geral, dois ou mais eventos embólicos a despeito de terapia médica adequada indicam cirurgia e a presença de infecção fúngica ou estafilocócica autorizam intervenção após o primeiro evento.

2.4. Distúrbio de condução e isquemia

O envolvimento do sistema de condução implica em comprometimento do anel valvar e/ou do miocárdio, estando presentes mais freqüentemente na EI aguda, indicando cirurgia de urgência. O infarto ou isquemia miocárdica impõem tratamento cirúrgico, devendo ser precedido de coronariografia. Devemos ressaltar que ambas situações têm mau prognóstico e devem ser evitadas pelo acompanhamento sistemático com ETE dos pacientes de risco (ex: EI aguda).

2.5. Infecção em próteses

A endocardite em valva protética representa um dilema, pois os pacientes têm pouca chance de resolução (40 a 50%) com o tratamento medicamentoso e geralmente não estão em boa situação para reoperação (até 80% de mortalidade em EI precoce).

As infecções precoces (menos de 6 meses da cirurgia inicial) são causadas por Estafilococos Aureus ou Epidermidis, por contaminação intraoperatória e por catéteres venosos centrais. O maior risco de reinfecção está presente em pacientes operados na vigência de infecção e usando próteses e aparatos sintéticos. O homoenxertos aórticos de cadáver conservados e o uso da valva pulmonar em posição aórtica, quando possível (ausência de hipertensão pulmonar), e na plástica Mitral são ótimas alternativas com menor índice de reinfecção.

As infecções tardias (> 6-12 meses) têm maior chance de resolução com antibioticoterapia, apesar desta ser pequena. Estão geralmente relacionadas com "leak" paravalvar que já pode indicar o tratamento cirúrgico.

Devemos estar conscientes de que o tratamento cirúrgico da EI é quase regra nos pacientes que não respondem bem ao tratamento medicamentoso, porém com maior morbidade e mortalidade e a terapia antibacteriana e antifúngica crônica tem sido uma tendência para casos de maior risco para reoperação.

Vale citar que, apesar de dados iniciais de relato de casos, a infecção de stent coronário (10) deve ser tratada como já estabelecida para grandes enxertos arteriais e para retirada cirúrgica com revascularização. A mesma analogia é correta para o desfibrilador implantável (11)/fonte de marcapasso definitivo, retirada e troca destas, além do tratamento antibiótico específico.

2.6. Endocardite em condições especiais (Imunodeprimidos, Nosocomial)

Aproximadamente 20% dos casos de EI nos Estados Unidos ocorrem neste grupo de pacientes imunodeprimidos ou infectados em ambiente hospitalar. Dentre estes pacientes, o maior desafio parece ser os HIV positivos, ainda raros para tratamento com cirurgia cardíaca, que devem ser monitorados pelo nível de CD4, sendo a queda esperada durante alguns meses no pós-operatório.

Outro grupo a ser mencionado seria o de renais crônicos, em diálise, que tem depressão de Células T e que a manipulação invasiva freqüentemente facilita o aparecimento de EI. Quando indicadas as próteses mecânicas, estas devem ser as de escolha, apesar dos riscos da anticoagulação, pois as biopróteses mostraram degeneração precoce provavelmente devido ao hiperparatireoidismo associado.

Como regra geral devemos estar atentos para as dificuldades de esterilização antibiótica deste grupo de pacientes.

2.7. Endocardite à direita em usuários de droga

A intervenção cirúrgica à direita é menos freqüentemente necessária que à esquerda em pacientes com EI. Mesmo grandes vegetações respondem bem ao tratamento médico e os abscessos do anel Tricúspide são raros. A embolia pulmonar geralmente tem melhor prognóstico que eventos à esquerda.

A regurgitação tricúspide normalmente é bem tolerada e geralmente responde a tratamento clínico. O tratamento cirúrgico tem as mesmas indicações de quando estamos lidando com EI do lado esquerdo, devendo a intervenção ocorrer antes da deteriorarização do quadro clínico, estando o médico atento ao aspecto do ETE (vegetações > 1cm, abscessos, etc.).

A preservação da válvula deve ser tentada. A retirada total desta pode não ser bem tolerada principalmente em portadores de hipertensão pulmonar, podendo exigir nova intervenção tardia para colocação de prótese em 1/3 dos pacientes, porém a troca precoce da tricúspide está relacionada à reinfecção e a maior mortalidade.


3. Como?

3.1. Manuseio cirúrgico

As taxas de mortalidade de 50% do passado caíram para 10%, na maioria das séries de cirurgia de EI em valva nativa, devido à abordagem cirúrgica mais agressiva, precoce, antes da instalação da falência orgânica múltipla, bem como o desenvolvimento dos recursos e das técnicas cirúrgicas.

Constata-se a detecção precoce de disfunção multiorgânica e a abordagem intensiva com Ventilação Mecânica, bem como medidas terapêuticas visando "otimizar" oferta e consumo de Oxigênio, avaliando risco-benefício do uso do catéter de Swan-Ganz, que deve ser evitado em infecções do coração direito.

O ETE mostra seu grande valor na "otimização volêmica", bem como na orientação do resultado cirúrgico "Ótimo" (retirada de todo tecido infectado e correção de lesões estruturais).

A preocupação com complicações hemorrágicas deve ser constante, não só pelo uso prévio de anticoagulantes na maioria dos pacientes, bem como pela interação das cascatas de inflamação e coagulação. O uso de drogas como acido aminocapróico, concentrado de fatores e plaquetas deve ser norteado pelos achados laboratoriais.

A Aprotinina com ação anti-fibrinolítca e antiinflamatória deve ser sempre utilizada neste grupo de pacientes. O uso de Ultrafiltração parece estar relacionado à mediação de citoquinas pró-inflamatórias e pode ser útil neste grupo de pacientes graves, assim como o uso de circuitos revestidos de heparina já disponíveis em nosso meio.

Todos os dispositivos arteriais e venosos devem ser trocados, buscando criteriosamente coágulos em cava e átrio direito para sua remoção, pois podem estar infectados. A técnica cirúrgica, é claro, deve seguir os preceitos de cirurgia contaminados (ex: troca de pinças, etc.).

A cultura e o antibiograma da peça cirúrgica devem ser sempre solicitados para "otimização" do tratamento antibiótico. O antibiótico em uso deve ser "repicado" durante a cirurgia com metade de seu intervalo de uso, devido às perdas por sangramento e da circulação extracorpórea.

No pós-operatório, os objetivos terapêuticos devem ser mantidos e devemos esperar um longo caminho, diretamente proporcional à gravidade do paciente no pré-operatório. A "otimização" da oferta e do consumo de Oxigênio deve ser perseguida e a Injúria de Reperfusão evitada. A antibioticoterapia deve ser mantida até completar de 4 a 6 semanas e as culturas e marcadores inflamatórios devem estar negativos.


4. Conclusão

A mortalidade cirúrgica pode variar de 5 a 20%, dependendo de uma série de condições. A facilidade de diagnóstico trazida pelo ETE pode ser enumerada por suas características, pela mobilidade da vegetação, pela presença de "shunts" e por perfurações, levando à indicação cirúrgica precoce. O manuseio clínico e cirúrgico conta ainda com os enxertos homólogos que parecem estar relacionados com o menor índice de reinfecção e de mortalidade.

A sobrevida em longo prazo, 10 anos, é de 65% com 85% dos pacientes livres de recorrência, na série publicada pelo Dr. Douglas A., Lancet, 1986. O grupo de 140 pacientes consecutivos mostrou sobrevida, em 5 anos, de 75% para o grupo com tratamento médico-cirúrgico e 54% para tratamento médico isolado (p=0,036), Hovaguian H, Ann Thorac Surg, 1996.

Finalmente devemos perseguir uma abordagem criteriosa e racional nos resultados do grupo envolvido, que devem ser constantemente revistos.